segunda-feira, 20 de julho de 2020

Crítica a solidariedade positiva

Crítica a solidariedade positiva

 No século 19, após observar os vários levantes revolucionários da chamada Primavera dos Povos e presenciar o constante conflito entre conservação e progresso, o sociólogo Auguste Comte publicou seu livro Discurso sobre o espírito positivo que, em linhas gerais, propunha uma organização social que possuísse como base a ordem, o progresso e a solidariedade.
 Para Comte, para se alcançar a sociedade ideal, primeiramente, precisa-se estabelecer a ordem, visando determinados padrões de conduta, o equilíbrio e a conservação. Uma vez mantida a ordem, o objetivo seria o progresso, o desenvolvimento. Já a solidariedade, possui papel imprescindível na sociedade positiva, uma vez que promove a ligação de um com todos, a harmonia social.

 Existem diversas críticas direcionadas ao positivismo. A meu ver, o elemento de maior problemática seria a solidariedade, que funcionaria como uma maquiagem para o real condicionamento humano.
Falando sobre condicionamento sob a ótica do positivismo, pode-se facilmente lembrar do texto “Mentiras gays”, no livro O imbecil coletivo de Olavo de Carvalho. Neste, o escritor discorre sobre como os egoístas homossexuais são um desserviço para a sociedade, pelo caráter não reprodutivo de suas relações amorosas. Carvalho chega até a clamar por um direito de expressar a repugnância, como um efeito contrário ao direito de livre expressão da sexualidade.
 Totalmente absurda e inviável para uma sociedade de parâmetros democráticos, essa ideia de direito à repugnância é muito bem exemplificada no livro 1984, de George Orwell. No romance, os cidadãos são incentivados à prática dos “dois minutos de ódio”. Durante esse tempo, todos xingam e gritam coisa horríveis para todos aqueles que vão de encontro ou ameaçam diretamente a ordem social estabelecida. Ou seja, é como se o Olavo enxergasse na expressão da repugnância uma válvula de escape para todo o ódio sentido pelos gays, principais culpados pela desintegração da ordem e da moral.
 Ainda no campo da solidariedade, o trabalho possuí lugar de destaque. Na física social de Comte: todo trabalho é importante para o perfeito funcionamento da máquina social, todos são dignos e cada classe possui seu devido papel.
 No entanto, a visão sociológica de Comte se mostra deturpada, uma vez que é contra princípios de liberdade, reprime a participação política da classe operária e não se importa se existem pessoas vivendo na miséria, na marginalização, em regimes análogos a escravidão ou mesmo com sacrifícios sociais, se estas coisas não interferirem na felicidade e perfeito funcionamento de sua sociedade positiva.
 Em um primeiro momento, a filosofia de Comte pode até seduzir, oferecendo uma conciliação entre conservação e desenvolvimento e ainda a harmonia na civilização humana. Mas, ao se aprofundar, ao ver os reais custos e benefícios desta organização, é que vemos que, assim como no livro 1984 liberdade é sinônimo de escravidão, a solidariedade positiva é sinônimo de condicionamento e imposição. E, uma sociedade positiva não é compatível com os preceitos de liberdade fundamentais para a nossa democracia.


Angela Severo dos Santos – matutino

O Positivismo como ferramenta da homofobia presente em "Mentiras Gays" e na sociedade como um todo.

O positivismo consiste em uma corrente filosófica idealizada primeiramente por Auguste Comte (1798 - 1857) e tem como uma de suas características a supervalorização da ciência e da experimentação. Dentre as ciências, há a biologia que, além muitíssimos outros assuntos, disserta sobre a reprodução humana. Nesse contexto, destaca-se o debate acerca da sexualidade e a questão dos indivíduos homoafetivos, bem como críticas ao texto "Mentiras Gays", presente na obra "O Imbecil Coletivo", de autoria de Olavo de Carvalho.

Após a leitura do texto supracitado e de conhecimentos adquiridos acerca do Positivismo, não há como concluir outra coisa senão que o excerto "Mentiras Gays" tenta disfarçar seu caráter homofóbico embasando-se em opiniões positivistas e, assim, obter o respaldo da sociedade que, tal como o escritor, possui personalidades veladamente homofóbicas. Isto é, o autor tenta trazer uma justificação científica para aquilo que não passa de uma opinião retrógrada e infundada.

No Brasil atual, se tornou comum tentar disfarçar preconceitos tentando fundamentá-los na ciência. Ainda que os mesmos que assim fazem, utilizam da religião e da tradição (e não da ciência) para justificar outras reivindicações, caracterizando uma incoerência que por si só já anula a validade desses argumentos. No entanto, é possível notar no texto do guru bolsonarista provas de que as suas opiniões apenas tentam ser mascaradas com embasamentos científicos, mas na verdade não passa de homofobia: o autor faz uso do termo "homossexualismo", criado para designar a (então considerada) doença de ser homossexual. Felizmente, a Organização Mundial da Saúde retirou essa classificação em 1990 e o termo "homossexualidade" passou a entrar em vigor, evento tido como um marco da luta pelos direitos dos homossexuais. Porém, o autor (que publicou o livro anos após a mudança) não adotou a terminologia correta, deixando claro sua posição inválida e sem funamentos científicos, ou seja, homofobia.

Em uma tentativa (sem sucesso) de provar a superioridade dos indivíduos heterossexuais em detrimento dos homossexuais, Olavo de Carvalho adota um posicionamento positivista e, de novo, busca na ciência motivos para justificar suas opiniões. Apenas essa prática já é motivo para considerar a obra como absurda, afinal, a ciência funciona buscando evidências para depois formular uma opinião e não o inverso. Porém, Olavo tenta trazer o dado que as relações heterossexuais são necessárias para a sobrevivência da espécie e as relações entre indivíduos do mesmo sexo, apenas questão de gosto, e, por isso, não se deve questionar a superioridade dos héteros. No entanto, o autor não apercebeu-se que essa visão não é motivo para justificar uma superioridade dos heterossexuais, pois nenhuma pessoa deve ser superior a outra, mesmo que uma contribua com a perpetuação da espécie e outra não. Afinal, heterossexualidade também é questão de gosto e ninguém deve ser julgado por se sentir atraído por pessoas do mesmo sexo.

Na realidade tudo o que anseia a população homossexual é a paz, o respeito, o direito de se vestir como quiser, de tentar relacionar-se com quem tiver vontade, de ser quem quiser sem sofrer nenhuma consequência negativa por isso, ou seja, uma sociedade sem preconceitos ou discriminações.

Agora, resta superar esses posicionamentos preconceituosos e mentirosos, que se mostram como ciência mas na realidade podem ser definidos como opiniões infundadas e mal-intencionadas de indivíduos que lutam todos os dias para manter sua posição de privilégio. Diante desses fatos, é possível concluir que o positivismo é uma ferramenta muito útil a esse preconceito e, portanto, é em parte negativo à sociedade, ao contrário do que alega ser a própria proposta positivista de Comte.

Mateus Restivo de Oliveira
Direito - Diurno | UNESP

O Imbecil Positivista


As correntes sociológicas surgem em diálogo com fatores da realidade propondo nela intervirem. Nesse sentido, a sociologia oitocentista de Augusto Comte está inserida em uma lógica de oposição ao progressismo francês, ou seja, é crítica à possibilidade de reforma e readequação das instituições, propondo, portanto, a manutenção da ordem social pré estabelecida. Tal qual o Positivismo de Comte, conservadores da contemporaneidade são defensores de uma moral positiva, num viés paradoxal à inclusão de grupos específicos e adjacentes no que se chama de solidariedade. Assim, o Positivismo hodierno está vinculado a um processo global de resgate ao capitalismo liberal do século XIX, em contraste ao Estado provedor e inclusivo, o que suprime as particularidades individuais e aniquila a possibilidade de um bem estar pleno a diversos grupos.

Desde a queda do muro de Berlim há um retorno dos valores sociais do século XIX   pela descrença no Estado provedor, o que promoveu o retorno de ideias positivistas, fragilizando a inclusão social. Enquanto as democracias europeias, como a Holanda, tem enfoque na proteção às diversidades e garantem o crescimento vegetativo com políticas públicas, positivistas brasileiros como Olavo de Carvalho defendem os valores familiares conservadores, a fim de que a humanidade multiplique-se de forma autônoma, garantindo a ordem independente. Segundo ele afirma no capítulo “Mentiras Gays” da obra “O Imbecil Coletivo”, os indivíduos devem estar em seu papel social adequado para a funcionalidade, ou seja, têm a função de se reproduzirem em prol do prazer coletivo, não sendo aceitos, por isso, métodos de manutenção do crescimento populacional diferentes desta ordem. Ademais, neste viés, fica clara uma hierarquização das orientações sexuais, pois os heterossexuais seriam os que contribuem para o equilíbrio social, enquanto os homossexuais nada contribuíram para a ordem e o progresso. Isso tem como consequência um regresso na inclusão dos LGBTs, observado tanto na política de negligência do governo atual, cujo presidente ganha as eleições apesar de afirmar ser “homofóbico com muito orgulho”, quanto no aumento de 30% nos homicídios constatado pelo Grupo Gay da Bahia entre 2016 e 2017. Assim, o Positivismo olaviano mostra-se nocivo às liberdades individuais hodiernamente, sobretudo à comunidade LGBT i+.

Neste contexto, o indivíduo vê suas particularidades suprimidas por um ideal coletivo de progresso humano, o que torna o bem estar superficial. Para Olavo de Carvalho em “O Imbecil Coletivo”, a diversidade homoafetiva não é de caráter social pois está centrada apenas no desejo egoísta do prazer, o que significa que não seria digna de transbordar do indivíduo para a sociedade, cabendo à segunda, em nome da moral positiva, o dever de repudiar as expansões particulares desses grupos a fim de manter o "bem estar geral" (Status quo). Esse desprezo está presente inclusive no discurso presidencial e na orientação do governo atual, como ocorreu no caso “Golden Shower” durante o carnaval de 2019, quando o próprio presidente Bolsonaro generalizou os homossexuais como promíscuos e desertores da ordem pública, potencializando o preconceito já existente. Como consequência, priva-se uma parcela da população da sensação de pertencimento e, por isso, do bem estar pleno, o que é perceptível pelo aumento de 284% do número de suicídios de LGBTs em 2018 em relação a 2016, segundo o Grupo Gay da Bahia. Assim, o homossexual vê-se excluído devido à solidariedade que prega a ideologia positivista olaviana tendo, portanto, seu bem estar individual e social suplantado em prol do pseudo progresso pregado por ela. 

Diante dos fatos expostos, é evidente que a retomada de valores positivistas por autores contemporâneos inseridos num resgate aos ideais oitocentistas, como Olavo de Carvalho, e por agentes políticos, como o presidente Bolsonaro, apresenta-se nociva às minorias no Brasil, sobretudo ao grupo LGBT i+, que são sistematicamente privados de seu bem-estar pelo excludente ideal de solidariedade defendido por estes. 


Humanidade e Progresso

          No romance “Não Me Abandone Jamais”, de Kazuo Ishiguro, somos guiados pelas memórias de Kathy H. uma cuidadora que relembra os momentos em que passou no internato Hailsham, uma escola lírica com ênfase nas artes e em uma vida idílica, entretanto todos os alunos de Hailsham são clones cujo único objetivo é chegarem a fase adulta para doarem seus órgãos como verdadeiras peças de reposição, os alunos de Hailsham não terão direito à existência, mas serviram em prol de um “bem maior” para o corpo social, tendo em vista que os alunos são clones logo não são seres possuidores de direitos. Fora da ficção, não é novidade que ao longo da história buscou-se legitimar discursos segregacionistas através do uso de termos médicos e racionais, seja no processo de eugenia no século XIX ou em um artigo de Olavo de Carvalho, para compreender esses discursos torna-se necessário realizar uma inquirição no Positivismo Filosófico de Auguste Comte.
 2 — Introdução ao Positivismo
          Em meio a uma série de transformações sociais, iniciadas quando três séculos antes Copérnico descobriu que à terra não era o centro do universo, o francês Auguste Comte, escreve o “Curso de Filosofia Positiva”, uma obra monumental dividida em seis volumes que disserta acerca dos fundamentos do “Positivismo” e a teoria dos três estados. Nessa obra, Comte descreve o verdadeiro “Bildungsroman” (romance de formação) da humanidade, Goethe revolucionou ao escrever em “Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister”, um herói em formação, narrando da infância até chegar a maturidade, assim faz Comte ao definir a Lei dos Três Estados.
          A infância da humanidade seria o estado “Teleológico”, momento no qual as sociedades recorreriam às explicações sobrenaturais para explicar aquilo que não consegue entender, a mocidade seria o estado “Metafisico”, um momento de transição onde as entidades sobrenaturais dão espaço para conceitos abstratos. Por fim, a maturidade das sociedades seria o estado “Positivo”, o momento no qual a razão deixaria de cair em divagações metafísicas e buscaria somente as leis dos fenômenos com o desejo de confirmar ou não a validade das teorias, ou seja, aceitar aquilo que está posto e buscar exclusivamente o conhecimento que permita o progresso social.
3 — A legitimação da barbárie
          Ante o exposto, identificamos que as teses de Comte encontram espaço para perigosas construções discursivas no âmbito de legitimar praticas segregacionistas em nome do “progresso” e do bem maior do corpo social, será tomado como exemplo desses perigosos discursos: o Movimento Eugenista e o artigo escrito por Olavo de Carvalho que foi debatido em aula.
          Em primeiro lugar, o Movimento eugenista origina-se na Inglaterra, mas tem grande influência no final do século XIX e início do século XX em diversos países  incluindo o Brasil —, esse movimento pregava a “melhoria” da raça humana através da seleção genica e da esterilização das populações tidas como inferiores para permitir uma melhoria da sociedade. Nesse sentido, identificamos o forte caráter positivista dessa tese ao alinhar a necessidade de um progresso social a partir da eliminação de determinados grupos, os eugenistas negavam qualquer caráter preconceituoso e gostavam de reforçar o caráter meramente cientifico de suas teses
          Já no texto “Mentiras Gays”, de Olavo de Carvalho, o discurso concentrasse na capacidade de contribuição da comunidade LGBTQIA+. Segundo Olavo, essa comunidade não pode ser detentora de direitos que as protejam da descriminação ou de direitos iguais aos dos casais heterossexuais, tendo em vista que por serem uma comunidade onde suas relações sexuais não têm por objetivo a reprodução, mas somente a “satisfação do prazer”, desta forma, são pessoas que não contribuem para a continuidade do corpo social as excluindo automaticamente do rol dos direitos, para o “filósofo” a proteção à comunidade LGBT deve se resumir a mera positivação em lei sem qualquer estatuto especial. Observamos que Olavo busca um elemento “racional” para justificar a exclusão da comunidade LGBTQIA+, e encontra esse elemento nas teses do progresso social do positivismo.
4 — Conclusão
          A obra de Kazuo Ishiguro é sensível e humana, lida com o dilema existência daqueles que foram escolhidos para serem sacrificados, a busca pelo progresso indiscriminadamente não nos torna mais humanos se ao longo do caminho negarmos a nossa própria humanidade. Auguste Comte foi pioneiro ao propor a necessidade de uma ciência voltada para o social, deste embrião surgiram as Ciências Econômicas, a Sociologia e o Direito. Por fim, que a busca pelo progresso se concilie com o sentido humano que almejamos.     

Luís Gustavo da Silva - 1º ano de Direito/Matutino. 

O acesso à informação gerando desinformação


          Em “O discurso do método”, Descartes, a procura de verdades incontestáveis, parte da premissa de julgar como completamente falsa qualquer opinião que pudesse supor dúvidas, para então, por consequência, analisar se restaria alguma convicção autêntica. No entanto, o desenvolvimento do método científico parece ter sido vão, ante o cenário atual, no qual internautas de toda parte do mundo, com realce nos brasileiros, são constantemente acometidos de notícias contendo meias verdades e, até mesmo, balelas que, por falta de responsabilidade e de busca por clareza, são entendidas como genuínas e compartilhadas sem compromisso com a veracidade de seu conteúdo.
            Embora o método científico, criado por Descartes em junção à ideias de Bacon, promova a dúvida como base para a formulação de ideias verdadeiras, vive-se um momento em que fraudes disseminadas, tendo como exemplo “compartilhe essa mensagem com 10 amigos e amanhã você achará 1000 reais na rua”, são amplamente aceitas, enquanto verdades consolidadas, como a importância da vacinação, são postas constantemente em questionamento. Assim, debilitando anos de estudos baseados em pesquisa e experimentação, realizadas em prol de um maior desenvolvimento da humanidade.
            Ademais, a crítica de Francis Bacon à dialética aristotélica se aplica perfeitamente aos tempos modernos, na qual diz “ao impor à natureza das coisas inumeráveis distinções arbitrárias, mostrando-se sempre mais solícito em formular respostas e em apresentar algo positivo nas palavras do que a verdade íntima das coisas.”. Essa aplicação se exemplifica ao observar o abafamento, por parte do estado, do número de casos e mortes por conta do COVID-19, apresentando à população dados reconfortantes ao invés dos reais e, portanto, privando-os da verdade.
            Em face do discutido, fica evidenciado o desvio do ser humano no caminho da busca por conhecimentos legítimos. Mesmo que os trabalhos de Descartes e Bacon tenham sido de suma importância para o avanço da ciência moderna, presenciamos atualmente, um descaso, tanto por parte da população, que não busca a verdade das coisas, como dos órgãos gerenciadores da mesma, que não intentam informar e garantir a veracidade do informado ao cidadão. E assim sendo, transforma gerações que buscam a transformação da natureza, em sucessores que apenas buscam a contemplação da mesma, seja ela fundamentada na verdade ou não.


Autor: Lucca Benedetti de Morais          RA:201225158                Turma: XXXVII - Direito Noturno

Ser ou não ser? Qual o limite da individualidade?


Ter empatia com uma causa social sempre foi algo digno de admiração entre nós seres humanos. Deixar nossos interesses e vontades pessoais de lado para salvaguardar o bem-estar de outrem é uma atitude considerada nada egoísta e digna de reconhecimento. Mas até onde nosso senso de pertencimento à um corpo social deve interferir em nossa individualidade? Será que para que uma sociedade se comporte de modo mais orgânico possível todas as suas engrenagens devem constituir-se de peças iguais e devem então comportar-se de maneira indistinta? E talvez a questão mais importante que deve ser posta, existem peças mais relevantes que as outras quando se fala na composição de algo?
Auguste Comte, pai da filosofia positivista, afirmou que para existir um progresso social a ordem deve ser primeiramente estabelecida. Segundo ele, para que essa ordem se torne realidade o indivíduo deve estar ciente e educado de uma moral baseada numa racionalidade que discrimine o essencial daquilo que é supérfluo. No caso concreto, qualquer coisa que fuja de uma normatização e que não tenha em vista um fim útil aos padrões gerais de uma sociedade acaba por estabelecer uma desarmonia no sistema social e por esse motivo deve ser vista como uma anomalia que deve ser corrigida e, quando possível, restaurada. A ordem é algo que regra e estabelece uma padronização de comportamento. Nesse sentido, falar-se em plena identidade individual parece ser algo que fere esse princípio.
Seguindo as analogias do campo biológico que estudiosos como Comte e Émile Durkheim insistiram em fazer em seus estudos sociológicos, ao entenderem que o todo acaba sendo maior que a soma das partes, ignoram que cada peça que compõem um corpo orgânico trabalha por um fim em si mesma, cada órgão de um sistema se solidariza no conjunto porque tem uma necessidade natural de sobreviver de uma forma que garanta seu pleno funcionamento, e que só como expressão última acaba por trazer benefícios maiores para o todo. Promover a total perda de identidade de algo em prol de uma visão que se diz superior é tão simplesmente apoiar-se numa ideia que limita aquilo que na prática não pode e nem deve ser limitado. Nenhuma peça de um sistema complexo é totalmente igual ou se sobressai a outra, e não se poderia falar em finalidade sem considerar que quando um componente deixa de agir da maneira que está naturalmente predisposto a fazer sempre acaba afetando os outros componentes que estão com ele relacionados.
Respeitar a diferença e entendê-la como algo positivo é uma lição que só muito recentemente nós seres humanos começamos a entender. Ter gostos, propensões, e maneiras de conduzir a vida diferentes só são julgáveis quando afetam de forma maléfica o outro, e por isso qualquer teorização que vá no caminho contrário somente estará buscando estabelecer uma uniformização superficial da realidade em um contexto em que as coisas naturalmente necessitam funcionar de maneira distinta para que se possa de fato haver uma coexistência harmônica e orgânica.

       O positivismo no interior das crenças populares e seu exercício desde o século XX


  Quando tentamos entender as nuances da sociedade e seus avanços tecnológicos e científicos, algo que é intrínseco a discussão é o positivismo alicerçado por Auguste Comte, que por muito tempo fez com que a humanidade progredisse cientificamente e hoje em dia tem se tornado uma névoa para que consigamos entender o papel do ser humano diante do meio em que está inserido. 
   Após meados do século XX, a necessidade de aprimoramentos tecnológicos e bélicos, motivados pelas Guerras, fizeram com que os governantes ao redor do planeta olhassem por um viés positivista, buscando sempre desenvolvimento e progressoa qualquer custo, mesmo que isso significasse avançar a ciência em detrimento do indivíduo e suas escolhas, crenças e afinidades pessoais. 
     Nos dias de hoje, podemos ver claramente que os ideais positivistas estão arraigados não apenas nas mentes de grande parte da população, mas também em seus corações, que acreditam piamente que só existirá progresso caso o ser humano pare de pensar em si próprio e em suas vontades e comece a pensar na sociedade e em seu progresso. Esse discurso é muito bem observado em “O Imbecil Coletivo”, de Olavo de Carvalho, onde ele fala sobre a essencialidade da heterossexualidade em contrapartida a inutilidade social da homossexualidade. Ele associa o sexo apenas à reprodução e desvaloriza o prazer, de forma que “cientificamente” seu discurso seja comprovado. 
   O problema de interpretar dessa forma, é que assim descartamos as necessidades do ser humano de se sentir bem, e sobrepomos o indivíduo com a sociedade. Ignorando o fato de que desconsidera- se vários outros aspectos positivos que o grupo LGBTQ+ proporciona a sociedade. 
   O pior de tudo, é que esse discurso de ódio mascarado pela "ciência" faz parte das crenças de grande parte da população e é nosso trabalho não só como juristas, mas como seres humanos providos de sentimentos, mudarmos esse cenário para que todos possam viver sua liberdade, igualdade e fraternidade.  


                                                       Falha superficialidade
  Respeitando o efeito pendular da história, o período de explosão de revoluções e ascensão de classes até então inferiores no século XIX propiciou o surgimento de uma doutrina contrária ao Iluminismo. Uma vez que sociedade europeia (especialmente francesa) se via em meio à anarquia social, processos públicos incertos e a ideia de liberdade excessiva, o positivismo se pôs como a doutrina que proporcionava rigidez, tradicionalidade e ordem.
   Comte trouxe ao mundo a simplicidade intelectual, a “anticomplexidade” frente a tantos problemas discutidos em seu tempo, mas seria isso valoroso para a humanidade? Com a simplicidade também a vem a superficialidade, é necessário compreender que a ideia de reflexão é indispensável em todo e qualquer caso de decisão de conduta social, seja individualmente ou coletivamente. Tomemos como exemplo atual o posicionamento do presidente da república quanto ao uso de medicamentos para tratar o Covid-19: Após a hidroxicloroquina ser apontada como uma droga possivelmente efetiva contra o vírus, o chefe do executivo se posicionou firmemente favorável à sua produção em massa, já que existiam casos de contágio curados com o uso  do remédio. Se ele usou e se curou, significa que funciona, não é? A simples divagação sobre essa possibilidade excluiria a certeza de efetividade: existem aqueles mais resistentes e outros mais vulneráveis aos sintomas da doença, e uso da hidroxicloroquina nos primeiros gera a percepção de causa (uso do medicamento) e efeito (recuperação rápida), quando a causa real é a boa condições de defesa do organismo. O uso desse medicamento comprovadamente ineficaz, traz mais riscos do que segurança à saúde, e o posicionamento da pessoa mais influente no cenário nacional favorável ao uso deste é de grande irresponsabilidade.
  O imediatismo do positivismo pode trazer uma série de problemas, a exemplo do caso citado acima. A negação da reflexão é o desenho da personalidade brasileira média, que age de acordo com as percepções iniciais e elege um representante desse viés.



Gabriel Nogueira, 1° ano, noturno.


A hégira do direito individual em prol do coletivo

“Para o espírito positivo, o homem propriamente dito não existe, existindo apenas a Humanidade” tal citação de Augusto Comte reforça os ideais de que o direito coletivo se sobrepõe ao direito individual em todos os aspectos que garantem a moral social, sendo esta moral uma conduta que garante ordem ao progresso, torna-se indubitável analisar os aspectos que conduzem o espírito positivo na sociedade contemporânea.

Em primeira análise, nota-se o progresso científico da nação como tema central da filosofia positivista. De acordo com Aldous Huxley em Admirável mundo novo “A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”. Sob tal ótica, podemos prospectar que a forma mais eficaz de trazer o avanço científico para o contexto global será por um espírito coletivo de progresso, suprimindo as liberdades individuais e tornando o ser humano um espírito único para o avanço da humanidade. Dessa maneira, mostra-se que um regime escravagista que usa a força para inserir o progresso na sociedade é ineficaz, e uma vez que estes indivíduos trabalharão forçadamente, perderão a eficiência que teriam se trabalhassem por livre e espontânea vontade em prol do ideal coletivo.

Segundo Comte, os indivíduos devem sacrificar suas vontades individuais em prol do bem-estar coletivo e ao avanço da nação. Paralelamente, no capitulo “Mentiras Gays” do livro “O imbecil coletivo” de Olavo de Carvalho, o individuo que se caracteriza LGBTQ+ deverá suprimir suas vontades sexuais para reproduzir, e assim, contribuir para a física social de uma interpretação positivista. A teoria olaviana diz que o sujeito que não contribui para a manutenção reprodutiva da sociedade, é um egoísta carnal, que promove a ruptura da coalizão.

 OBS: O texto acima não representa a opinião do autor, pois a atividade proposta pelo professor possui o intuito de apresentar as diferentes perspectivas sobre uma vertente em específico.

Lucas Magalhães Franco - 1.º Noturno