domingo, 9 de agosto de 2020

"V de Vingança": onde cada um é arrastado por todos

O fato social, sob a ótica de Durkheim, é aquilo que molda a maneira de agir (fixa ou não) do indivíduo, a partir de uma coerção externa. Além de ser coercitivo, o fato social tem de ser exterior (independente) ao indivíduo e geral (coletivo). A resistência ao fato social gera uma reação punitiva para restabelecer a norma, mantendo o equilíbrio e evitando a anomia, ou seja, a quebra das normas que mantém a coesão social. 

Cotidianamente, nos regimes democráticos, observamos diversos fatos sociais, como os jeitos de agir, andar, vestir, falar e muitos outros. A obrigatoriedade do uso de uniforme nas escolas exemplifica um fato social por ser exterior aos alunos (tal vestimenta já existia muito antes deles), geral (todos têm de usá-lo) e coercitivo, desse modo, caso eles usem alguma roupa diferenciada na escola, serão punidos. Ademais, há fatos sociais que não são teoricamente obrigatórios, ou seja, você não será penalizado com uma multa ou uma advertência, porém você destoará das normas da sociedade e se sentirá reprimido por isso.

Já, nos regimes ditatoriais, o fato social acaba sendo mais extremo e é moldado pelo governo, o qual tem controle da vida pública e privada dos cidadãos e, assim, determina a maneira de agir deles. O longa-metragem “V de Vingança” mimetiza uma Inglaterra fascista, onde há a troca de liberdade por proteção: os cidadãos que saem de casa após o toque de recolher são punidos violentamente pela polícia e todos os telefones são grampeados. Nesse contexto, o uso do direito é essencial para legitimar os abusos estatais e determinar as condutas sociais. No filme, os instrumentos utilizados para a coerção social são a escola, que glorifica desde cedo o partido político, e a mídia, a qual segue completamente as ordens do ditador. Quando o personagem V, que luta contra o governo, consegue ter acesso à mídia e faz uma declaração expondo as mazelas do regime, as pessoas se unem e começam a se revoltar, gerando uma repressão estatal ainda maior. Essa forma de comportamento comum entre os cidadãos se materializa e gera um “estado de alma coletiva”, em que cada um é arrastado por todos.

No final do filme, o governo cai após uma revolução na frente do parlamento, o qual é demolido por V. Contudo, segundo Durkheim, as revoluções não são necessárias pois a mudança social é natural, surgindo de acordo com a necessidade da sociedade, desse modo, é preciso haver implicações internas que condicionem esses fenômenos. Nesse caso, a implicação interna foi a revolta da população com a falta de liberdade e o extremo uso de violência do Estado, a qual ocasionou um desequilíbrio social. Então, para o Durkheim, foi a mudança da consciência coletiva (sentimentos e pensamentos comuns frutos de uma dinâmica social) que colocou um fim no regime fascista, e não a revolução em si.


Beatriz Simões Prado Coelho - noturno



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