sábado, 28 de novembro de 2015

O Guardião não passivo


                   “Sem Estado, sem fé, sem partidos e sindicatos apela-se ao judiciário”. Esse tem sido um efeito comum nos países ocidentais, pós segunda guerra mundial, devido à ascensão doutrinária Kelseniana, na qual o Poder Judiciário é o Guardião da Constituição. Dessa forma, José Roberto Barroso disserta sobre o tema da judicialização, em que há a transferência de poder para juízes e Tribunais não sendo um exercício deliberado de vontade pública, contrapondo à prática do Ativismo Judicial, que “por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição”. (BARROSO, pag. 17)
                   O primeiro é decorrente da Constituição Federal de 1988 e representa uma função que deve respeitar as “fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionalidade, motivação, correção e justiça” (BARROSO, pag. 19). Contudo, no segundo tema, percebe-se a ultrapassagem de tais pelo próprio tribunal em razão da inércia do legislador em certos temas polêmicos e de ordem pública.
                   Nesse sentido, a ADI 4277 traz à tona a questão da União Homoafetiva transparecendo um anseio de parte da sociedade e abrindo um debate acerca da legitimidade, diante do modelo democrático, sobre a decisão a partir do Judiciário. Destarte, visto não ter sido empregado nenhum sentido ortodoxo ao termo família, poderia o Judiciário “legislar” e tomar parte fornecendo conteúdo para a Constituição? Esse ato não ultrapassaria a noção de legislador negativo?
                   Pois bem, apesar de ser um tema de ordem pública, pois “assegura aos parceiros direitos à guarda e à convivência com filhos, à adoção de filhos, direitos previdenciários e à herança” (voto Gilmar Mendes), está envolvido na decisão do tribunal muito mais, como o Princípio da Liberdade, da Dignidade da Pessoa Humana, da Segurança Jurídica e da Proporcionalidade. Ou seja, o Judiciário assegurou a defesa da minoria contra a ditadura da maioria preponderante no Congresso Conservador, além disso, deu um grande passo na democracia do país pois garantiu a individualidade dos cidadãos.
                   Assim, como afirma José Roberto Barroso, “o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura”

O que não se prevê, não se proíbe

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o status de família às uniões homoafetivas, estendendo-lhes direitos até então negados, fundamentados nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da intimidade e da privacidade, protegendo-as contra todos os tipos de discriminação. O ato do STF movimentou a estagnação do Poder Legislativo em regular, através de projetos de lei, a condição de inferioridade à qual os casais homossexuais eram submetidos frente à base jurídica, diferentemente dos casais heterossexuais.
Analisando o julgado e o ativismo social descrito por Luís Roberto Barroso, é possível relacioná-los, uma vez que este fenômeno extrai todo o possível das potencialidades da Constituição, sendo um modo de interpretá-la, expandindo seu alcance – assim, a união estável de casais homoafetivos não está prevista na carta constitucional, mas também não é por ela proibida. O fenômeno da judicialização, também descrito pelo autor, carrega, ainda, relação com o julgado, no sentido de que este, por ser um caso de grande repercussão, foi decidido pelo STF, e não pelas entidades tradicionais, além de o judiciário, por falta de comparecimento dos demais poderes perante as necessidades sociais, ter se tornado alvo de expectativas pelo reconhecimento de direitos.
Barroso demonstra que o direito pode ser ou não considerado política; no primeiro caso, o direito como política decorreria de sua origem na vontade humana e de sua aplicação ser associada à realidade política, desse modo, seria ferramenta de compreensão da situação social, coordenando-a conforme as necessidades individuais; em contrapartida, o direito não é política no sentido de admitir escolhas tendenciosas ou partidarizadas sobre determinado aspecto, assim, seria uma ferramenta de segregação e de privação de direitos, direcionada pela opinião ou pelos interesses de cada juiz ou tribunal acerca de determinado tema, como a união homoafetiva.
Dessa forma, o referido julgado cumpriu com a necessidade de reconhecer a esses casais o que a lei nunca previu, nem proibiu, que é a garantia de que as relações homossexuais também sejam dignas de direitos e deveres previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

Gabriela Melo Araújo
1º ano - Direito Noturno