quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Massacre do Pinheirinho: manifestação contemporânea de aspectos da teoria marxista

A ação judicial de reintegração de posse, relativa à área conhecida como comunidade do Pinheirinho, foi executada em 22 de janeiro de 2012, um domingo, em favor da Massa Falida do grupo Selecta. Inesperadamente, dois mil homens da Polícia Civil de São Paulo concentraram forças no terreno de mais de um milhão de metros quadrados com uma finalidade simples e óbvia: retirar daquele local 5.500 pessoas, 1.600 famílias de trabalhadores. Como se seus objetivos já não fossem por si só degradantes o suficiente, toda a ação se deu embasada por extrema violência e por uma série de abusos por parte dos policiais militares – ocorreram mortes, denúncias de estupros e inúmeras outras denúncias relativas a tantos outros tipos de violação da dignidade humana.
Quando se observa a condução do caso do Pinheirinho, como é conhecido, facilmente se estabelece uma relação entre o ocorrido e a teoria de Karl Marx. Marx afirmava que o Direito era elaborado e conduzido por uma classe, servindo a um Estado que, por sua vez, também existia e funcionava em favor dessa classe dominante. Talvez não haja, de fato, exemplo mais nítido daquilo que afirmou Marx do que o próprio Massacre do Pinheirinho. Aqueles responsáveis por aplicar e fazer valer o Direito com racionalidade, imparcialidade e responsabilidade social simplesmente responderam àquilo que estão condicionados a responder: à classe dominante e à defesa de seus interesses, expressa na ordem de reintegração de posse.
Quando o Judiciário constata que a ação de reintegração de posse do Pinheirinho confronta dois direitos constitucionais de mesma hierarquia, o direito à propriedade e o direito de moradia, não hesita em decidir pela defesa do direito à propriedade, já que ele representa o direito do ter, e é esse direito que o Estado burguês valoriza. O direito à moradia, por outro lado, é muito mais o direito do ser – para aquelas pessoas que, há pelo menos sete anos ocupavam a região, uma moradia era infinitamente mais do que uma propriedade. Para aqueles trabalhadores e suas famílias, suas moradias representavam a construção de uma vida e de seus sonhos. Mas, como Marx afirma, o Direito serve a uma classe, e a ela fielmente serviu nesse caso, ainda que houvesse a possibilidade de ter feito a coisa certa.
Constitucionalmente, a situação poderia (e deveria) ter sido conduzida com respeito aos valores democráticos e aos princípios constitucionais. Até mesmo o Direito burguês menciona a necessidade de haver uma função social da terra – mas a juíza encarregada, e tantos outros envolvidos no caso, escolheu atender aos interesses do capital, e não da pessoa humana. A decisão do Judiciário, inclusive, não corresponde ao que se encontra estabelecido em muitos dos pactos internacionais de que o Brasil é signatário – pactos esses que valorizam o direito à moradia e a ideia de função social da terra.

O que se percebe é que a juíza, os defensores e promotores envolvidos no caso, como Marx defendia, contribuíram para que se consolidasse a ideia de que o Direito não almeja promover a felicidade geral, mas sim uma felicidade de classe – a felicidade da classe dominante. Naquele dia, no Pinheirinho, trabalhadores tiveram direitos fundamentais violados simplesmente porque deram uma função social à terra – função esta que o imóvel não possuía antes de sua ocupação; função que Naji Nahas, o proprietário, nunca intencionou conferir a ela – seus fins eram meramente especulativos. Assim, percebe-se que a teoria marxista, apesar de parecer absurda e surreal para muitos, não raramente se manifesta com uma clareza assustadora na sociedade contemporânea, sendo o Direito frequentemente usado a favor da classe dominante, como forma de pressionar e subjugar os dominados – por isso a necessidade gritante de que, cada vez mais, aqueles encarregados de administrar o Direito atentem-se às necessidades sociais. 



Heloísa Ferreira Cintrão
1º ano - Direito Diurno

Horizontes do caso Pinheirinho

"Olhos nos olhos, preste atenção
Olha a ocupação
Só ficou você, só restou você
Uivo louco, sangue em choro
Pra agradar opressão" 
- Criolo

Em 2004, pessoas sem teto estabeleceram-se em certa região da zona sul da cidade de São José dos Campos, formando uma comunidade conhecida por Pinheirinho. Tal terra pertencia à Naji Nahas, e, portanto, à sua empresa Selecta Comércio e Indústria S.A que constava na categoria de massa falida. Nesse panorama, uma marcante disputa foi travada, durante 7 anos, entre os ocupantes e a indústria; esta requerendo o direito à propriedade privada, aqueles à moradia digna.
Entretanto, a situação não se resume meramente a esse embate. Durante o trâmite do processo, é notável uma diversidade de enfrentamentos, com menor escalão, mas que contribuíram para o arcabouço geral de decisões e aplicações – corretas ou incorretas – de leis.
De um lado da moeda ocorria a ocupação. Pessoas em situação de miséria, sem seus direitos resguardados (como preveem tanto a Constituição, quanto os diversos Tratados Internacionais assinados pelo Brasil), construíram naquela região uma comunidade bem organizada, dando aquela terra função social. Realizavam Assembleias cotidianamente, trabalhavam e produziam em um ambiente próprio, que fora formado seguindo todas as normas urbanísticas; o índice de mortes entre aquelas 1.600 famílias era mísero. A bandeira para a Pinheirinho ser regularizada como núcleo habitacional já havia, inclusive, sido levantada. Tal utopia com possibilidades de concretização, não passou de efeito Cinderela: a realidade organizada da comunidade divergia da movimentação do processo de reintegração.
Marx, ainda no século XIX, expôs a sociedade como conflituosa, sempre resultado da luta de classes. À luz de sua teoria, utilizando termos marxistas, a empresa de Naji Nahas, transfigurar-se-ia em burguesia, e a comunidade do Pinheirinho em proletariado. Isso porque, visto a conclusão do caso estudado, ou seja, a dizimação de Pinheirinho, ficou comprovado a existência de uma classe dominante, que utilizando meios burocráticos (e a força física, traduzida pela PM), infringiu a legalidade, a fim de privilegiar-se em detrimentos da classe menos favorecida. A realidade portanto, para Marx, só poderia ser compreendida pela condição material, o que mostrou-se contundente no desfecho do caso.
A locução “meios burocráticos” faz jus aos acontecimentos decorrentes da atuação do sistema judiciário no caso. Muitas leis foram ignoradas, algumas transgredidas, uma questão hierárquica foi posta. A juíza, juízes, o desembargador e a Defensoria Pública, tiveram meios para decidir o caso com real senso de justiça, imparcialidade. Isso porque, o Estado possui os elementos favoráveis e desfavoráveis para julgar ambas as partes. A legislação é justa, defende a propriedade privada, mas também o direito à moradia, a proteção aos Direitos Humanos, reguarda a Dignidade da Pessoa Humana, e proíbe atos de tamanha violência como vistos no massacre. Nesse ínterim, acordos poderiam ter sido feitos e maiores diálogos empreendidos, a situação poderia ter sido melhor administrada, não fosse a ganância e o interesse de classe que acabou engendrando as decisões em detrimentos das legislações, do direito.
Conseguinte a isso, a dialética hegeliana pode ser explorada. Para Hegel, o Estado Moderno constituiria o ápice racional das nações. O direito, e não a força, mediaria as relações sociais. A liberdade seria a lei; em suas palavras: sinal de evolução. Considerando a Constituição brasileira, como uma das mais a frente de seu tempo, estaria, portanto, cumprindo com os preceitos previstos por Hegel. Remetendo, assim, ao caso Pinheirinho, o direito, para Hegel, poderia ter sido a postura correta para a solução do litígio, visto a qualidade de todos como sujeitos de direito. O que comprova a instabilidade, como resultante exclusiva do manejo dessas leis, por pessoas que deixaram de aplicá-las em favor da vontade particular. Esse é o outro lado da moeda e tem seu “valor” moral apagado.


Ana Flávia Toller – Sociologia do Direito – Aula 1 – Marx e Hegel (O direito como instrumento de dominação político-social)