quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A perspectiva dos sociólogos estudados até aqui tem como fundamento as suas maneiras e filosofias de conceber o mundo, a apreensão do conhecimento humano e a organização social como um todo. Max Weber é, se não o primeiro, o mais importante entre os pioneiros cientistas que viveram uma época de estudo e leitura mais ampla que a de seus antecessores e que, a bem e a mal, é o que constitui a ciência do mundo contemporâneo. Os cientistas e a ciência a partir de então passam a ser a formulação de um conhecimento cada vez mais adquirido racionalmente por meio de leituras de clássicos e estudiosos políticos, jurídicos e da sociologia, no que tange à perspectiva weberiana, na qual o principal produto enquanto método e conteúdo de sua obra é a perspectiva plural, a consolidação de suas perspectivas fundamentadas em outros conceitos e fundamentações teóricas já consolidados, e o caráter completo de seu produto final, que não trabalha com generalizações como era feito até então, ou como outras formas de ciência trabalham ainda hoje. isto posto, analisemos o caso da perspectiva weberiana, principalmente exposta nos parágrafos a que nos foi proposta a leitura, e na exposição em sala de aula, e o caso do transexualismo no quadro jurídico brasileiro, especificadamente na decisão de um magistrado da comarca de Jales.
As discussões em sala de aula demonstram que a perspectiva weberiana é antes classificatória do que busca identificar efetivamente qual é o funcionamento que se dá no meio social por meio de suas impressões, da mesma forma como acima mencionado e que sedimenta-se na cultura científica contemporânea. Podemos observar esse fenômeno claramente nos manuais de Direito Civil ou Penal, por exemplo, ou Constitucional, classificando tudo o que há para classificar-se. Ora, de certa forma é desse modo que trabalha Weber, de maneira que propõe a si mesmo, antes de uma formação conceitual  própria acerca do tema, a reflexão teórica sobre os conceitos e a teoria até então construída, partindo daí sua percepção. O tema que reiteradamente foi discutido em sala de aula é a Racionalidade FORMAL em contraposição à Racionalidade MATERIAL de forma que seriam ambos realidades opostas e que constituem a possibilidade de tomada de posição. Acredito, diferentemente, que a perspectiva weberiana e a obra construída pelo grande pesquisador social e jurídico, é fundamento para muitos dos conceitos hoje empregados na vida jurídica e científica, de forma que os conceitos por ele expostos, veja bem, em sua grande maioria não foram por ele criados, mas que foram sistematizados em sua obra, consistem naquilo que no direito ocidental moderno em sua transição para o direito contemporâneo assimila enquanto fundamento teórico.
Se desta forma for, sendo que não empreenderei esforço para prová-lo agora, a pesquisa sobre a formação da sociedade e do direito no Estado Moderno, principalmente quando este tem a expressão máxima da burguesia nos momentos de suplantação do modelo de Estado medievo, que estava desgastado e falido, empreendida por Weber, considera que neste momento era fundamental para o ordenamento da nova sociedade que o direito formal se constituísse enquanto maneira hegemônica ou, no mínimo, fundamental para a mudança de paradigma de uma sociedade que era, até então, estamental e regrada por normas muito rudimentares para os avanços e interesses que estavam em relevância agora, sobrepostos sobre os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade e a construção de uma lógica racionalista, esta nova sociedade abole os direitos estamentais e torna, no quadro jurídico-formal, diagnosticado como o princípio para os próprios privilégios estamentais, todos os cidadãos iguais. Com o decorrer da construção deste Estado, sob a ótica das Ciências Humanas e do olhar social, esta nova igualdade, já não tão nova assim, era obsoleta para a efetiva transformação social. A liberdade e a igualdade jurídica não eram o suficiente para sustentar a emancipação de todo o quadro social e, desta forma, surge a demanda por um racionalismo material, que sustentasse a igualdade jurídica então composta e que fundamentasse o avanço necessário para a prática do bem-estar social. Se antes, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, as transformações eram objetivas e se tratavam de questões políticas, as questões sociais que representam a necessidade primeira da sociedade que avança da Idade Moderna para a contemporaneidade é marcada pela subjetividade e, portanto, de difícil demarcação e constante luta social. 
A razão formal e a razão material constituem o pensamento do homem contemporâneo, não de forma a constituir uma antinomia da qual podemos lançar mão de uma das duas formas, mas como uma constituição una do modo de pensar social e científico. Por mais que um cientista ou um cidadão tome partida de uma das duas formas de razão, negando a outra, ainda assim este estará, no mais extremo dos casos, mesmo que por iluminação divina esteja desprendido desta limitação que a todos os humanos se impõe, do conhecimento até então produzido, limitado ao conhecimento alheio. A razão material e a razão formal são fundamentos de nós mesmos, constituindo um único conceito que nomeio razão ocidental contemporânea. é, nesta perspectiva, por este motivo, que não é único, que "pessoas de camadas mais abastadas podem ser mais "liberais" e pessoas de classes desfavorecidas podem ser mais "conservadoras"", como dito em sala de aula, sem que isso cause um alvoroço ou uma falha na constatação científica. Estes são os fundamentos que norteiam a discussão do caso sob a ótica weberiana aqui apresentada. 
O caso judicial proposto para estudo tratava de uma solicitação de um(a) transexual pela troca de sexo no registro civil, troca de nome e cirurgia de transgenitalização. O deferimento do magistrado de uma pequena comarca do interior de São Paulo, baseado em amplos conhecimentos e pesquisa empreendida pelo nobre juiz da causa, está sustentada pelos avanços da tecnologia por meio do contato interdisciplinar, que foi construído pela lógica racional ocidental contemporânea, que é a expressão máxima do uso do normativismo formal que, a bem ou a mal, está em grande conta hodiernamente, e o direito nos seus limites, em sua transformação. por meio da convergência de ambos os fenômenos jurídicos na forma de conhecimento e aplicação por meio dos genéricos termos propostos pela legislação brasileira no qual se enquadra a situação posta em causa. Aqui está a prática adequada para que ocorra transformação social em relação à ciência e ao modo de operação social de reforma do sistema jurídico, mas é aqui que encontra-se o problema central desta transformação: o meio, o local e os atores.
Por conta de um amplo processo do qual não cabe aqui caracterizar, mas que de uma forma ou de outra é compreendida no meio científico jurídico, a judicialização do direito, a organização de mudança social e construção do direito, seja ele para confirmar os pressupostos que vem defendendo, seja para mudá-los, tem sido maculada em sua forma estrutural formal. O local onde estas questões devem ser resolvidas, seja para a solução A ou seja para a solução W, na lógica formal, é no âmbito do Legislativo. Sem entrar no mérito das questões que completam e compreendem esta problemática, duas soluções se apresentam neste caso: ou reafirma-se esta maneira de mudança jurídico-social ou é necessário pensar novas formas de mudança social. Talvez por falta da competência necessária para solucionar o caso pela segunda via, tendo a crer que a primeira via é a mais correta de solução: veja bem, não é que esteja assumindo a posição de estudante lógico-formal, isto seria impossível na sociedade ocidental contemporânea por motivos acima expressos, mas compreendo que a mudança deve ocorrer no órgão Legislativo.
A ciência, assim como foi para o caso de Jales, é a informante principal das escolhas políticas, ou deveria ser, para que a sociedade tenha seus fins de bem-estar social ampliados e qualificados, com a distinção de que o Legislativo transfere para todo o ordenamento jurídico a concepção política a que se propôs e sobre a qual fundamenta sua matéria, enquanto o estudo do magistrado, embora acertadamente constituído, representa uma transformação apenas na realidade local, quando muito. Como dito em sala de aula, existe o trabalho de comissões, constituídas por diversos membros da sociedade, diversas áreas da ciência e de diversos interesses que estão se organizando para a construção de uma solução para estes casos "novos" e, consequentemente, mudança no quadro normativo, de forma que existe uma comissão nacional de biótica, salvo engano é este o nome, que a pedido de um Deputado Federal tem se reunido para organizar um projeto de lei que exerça efetivamente a solução científica para o caso, enquanto o magistrado de Jales o fez por conta, pois à época não havia solução, mas quantos não são os casos de magistrados que indeferem em semelhante causa?

Artur Marchioni
Direito Diurno XXXI

Dinâmica volúvel e racionalidade

Observa-se no caso apresentado uma transexual desejosa pela cirurgia de alteração de sexo e mudanças em seus documentos de identidade. No acórdão, o juiz Fernando Antônio de Lima, da vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, apresenta diversos artigos da Constituição para fundamentar sua decisão, direitos fundamentais como o direito à identidade e levando em conta o lado emocional da parte movedora da ação. O mesmo magistrado ainda consolida em sua decisão a transsexualidade não como um mal patológico, um desvio de identificação, mas como um modo de ser, além da visão biologicista, e alçando países de vanguarda no assunto, como a França.
Dessa forma, como é possível conciliar a visão weberiana no assunto? Dentro do direito seria o pedido da transexual algo ilegítimo, contrariando a razão? Pelo contrário, ela apenas requere um direito fundamental garantido na nossa Carta Magna, que é a identificação como ela deseja, assim como também é um tipo de liberdade de expressão que em nada ofende a convivência social. Um direito natural formal mas que precisa tomar outras direções de aplicabilidade para acompanhar a dinâmica social que se volubiliza com maior rapidez nessa era tecno-comunicativa. O juiz, armado de hermenêutica jurídica, é capaz de transformar o direito formal e garantir um direito material através de mecanismos integradores das normas que o forçam a julgar o caso, não podendo deixá-lo sem solução. O tipo-ideal seria um ordenamento jurídico que a todos atendessem e que tudo estivesse compilado nas normas. Mas somos um sistema aberto, com relações volúveis que tornam a dinâmica algo bastante interessante no fenômeno de transformação da sociedade. Ainda que enfrente reação conservadora e a burocracia, como parte da manutenção da estabilidade e da ordem para não ruir tudo o que já se consolidou,  o uso da razão permite maior abrangência da própria sociedade ao garantir não somente o texto da lei, mas permitir sua interpretação e reelaboração quando necessária para atender às novas necessidades sociais. Uma nova constelação de fatos que rompe com os paradigmas e aumentam as possibilidades.

Neste mundo só, rígido de pedras
árido e morto, deserto das almas.
Brisa que de volta sopra das quedas
das dunas acumuladas com calma.

Mas esse mesmo vento traiçoeiro
 por entre as velhas pedras assobia.
E lentamente, sempre sorrateiro
Derruba um antigo que se erguia.

Traz de muito longe, novas ideias
que no ser inóspito enternecem
a antiga forma, mantendo a essência.

Rompa, essa sociedade-colmeia.
As razões sobre os padrões prevalecem
quando legítima a consciência!

Leonardo Eiji Kawamoto - 1ºAno Direito/Matutino




A Transexualidade à Luz de Weber

O direito natural, segundo Weber, é o conjunto de normas legítimas em virtude de qualidades puramente imanentes, e é sempre invocado em situações em que uma classe reivindica algum direito. No caso da transexual, o direito natural é invocado pela necessidade da mudança de sexo. Essa necessidade se dá pelo fato de ela não se sentir no "corpo" certo, o que acarreta problemas psicológicos como depressão, e pela busca da felicidade, que seria a transformação do corpo masculino em feminino.
O direito natural é baseado em um sentimento de justiça espontâneo que surge do povo, a única fonte natural e legítima do direito. Esse sentimento de justiça pode ser expresso nesse caso pela transformação do próprio corpo, buscando atingir o corpo ideal que lhe foi biologicamente "negado". 
Já o direito formal, segundo Weber, seria um direito artificial, ou seja, criado racionalmente. O direito artificial possui um determinado fim garantido por lei, ou seja, aquilo que não está positivado não deve ser aceito como norma. Dessa maneira, a transexual não deveria ter o direito de alterar o sexo biológico já que não há nenhuma norma com relação a isso.
Com relação a modernidade, Weber afirmava que ela surgiu a partir de diferentes dinâmicas de racionalização. São elas:
  • Racionalidade formal;
  • Racionalidade material;
  • Racionalidade teórica;
  • Racionalidade prática;
Para ele, no campo do direito, a racionalização vai do material para o formal, isto é, parte de valores da sociedade para chegar a normatização. Daí o fato de não haver nada com relação a transexualidade nas leis brasileiras. Entretanto, a jurisprudência, que segue o mesmo caminho (material-->formal), age no sentido de atender as necessidades humanas, mesmo que elas sejam diferentes do que a maioria da sociedade julga como "certo" ou "moral", como é o caso da transexual.

Yeda Crescente Mela,
1ºdir.diurno

Emancipação por meio da omissão da lei

 Ao adotar o sistema romano-germânico, também conhecido como Civil Law, o Brasil estabeleceu regras objetivas com o intuito de reger o máximo possível da vida cotidiana. O grande problema é que essas regras são fruto do pensamento humano e, como tal, possuem falhas que podem ser horrendas, como as lacunas ou interpretação ambígua. Não obstante isso, o Direito brasileiro foi pensado de forma a agradar as classes dominantes na época pós-regime militar, composta de uma classe média ascendente e de uma elite econômica com ideais neoliberais.
 O resultado foram códigos que padronizavam a vida em sociedade em letra de lei, mas que na prática são incapazes de lidar com a realidade plural da sociedade brasileira, de modo que boa parte do país está na informalidade, e outra boa parcela sofre com necessidades que não foram previstas no ordenamento jurídico, como foi o caso de um transsexual cujo processo para custeio estatal da cirurgia de transgenitalização e que foi julgado em Jales, SP, com decisão judicial favorável.
 O juiz responsável teve a astúcia de utilizar da própria mentalidade conservadora para permitir o progresso. Como o transsexualismo é considerado uma patologia social, logo, passível de análise médica e psicológica, se encaixou no artigo 13º do Código Civil*, que diz que por exigência médica pode-se perder a disposição do próprio corpo, mesmo se acarretar diminução de capacidade física ou contrariar os bons costumes e no caso, contrariou os chamados bons costumes. O juiz disse ser o transsexualismo uma questão interior da pessoa, e não uma patologia, pois não pode se considerar desvio algo que é inerente a uma determinada pessoa e sua mentalidade, apoiando a decisão do transsexual, mas usou da classificação patológica para ajudar o indivíduo. A mobilização do juiz foi sagaz porquê aqueles que são tidos como os guardiões da moral e dos bons costumes são completamente contra os direitos de liberdade sexual e fazem tudo na medida do possível para evitar que se concretizem tais direitos; portanto, ao usar da denominação da transsexualidade como patologia e encaixá-la no artigo 13º, o juiz foi capaz de fornecer a "cura" da "patologia" que o indivíduo "possuía", usando do mesmo sistema que impossibilitaria o indivíduo de realizar a transgenitalização e de não ser tido como um doente, ele realizou a vontade do indivíduo por vias que normalmente não estariam abertas a tal vontade.


 O uso do Direito como ferramenta emancipatória nesse caso é evidente e mostra que as lacunas na lei podem ser preenchidas de modo a fornecer melhor qualidade de vida para os cidadãos brasileiros. O ideal seria a alteração das leis de modo a essa manipulação realizada pelo juiz estar prevista nelas e não sejam esses indivíduos desamparados do Estado, e acima de tudo, reconhecidos como normais com uma mentalidade diferente. Não que os defensores da moral e dos bons costumes não tenham sua lógica, mas que não seja essa lógica limitante de um Direito que pode ser muito mais e alcançar problemas existentes e até mesmo prever os que ainda virão, coisa que não é fácil se os códigos continuarem petrificados em face às novas difusões sociais.
*Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Giovanny Pizzol da Silva - 1º ano Direito Diurno
Para Weber, o direito natural

Weber e Direito

Em sua análise sociológica, Weber entende a modernidade como construção de diferentes dinâmicas de racionalização, sendo a Racionalização Formal, estabelecida mediante o caráter calculável das ações e seus efeitos, e a Racionalidade Material, que se trata da reivindicação que não é apenas formal, mas leva em consideração valores, exigências éticas, políticas, entre outros, de essencial importância para a compreensão do Direito dentro do estudo sociológico de Weber.
Para Weber, no campo do Direito, a dinâmica de racionalização deveria ir do material para o formal, reduzindo as decisões a princípios tecnicamente pré-determinados e o estabelecendo um sistema de regras com lógica interna, de modo que toda decisão jurídica seja a aplicação de uma disposição jurídica abstrata a uma constelação de fatos concreta; que para todo fato concreto deva ser possível encontrar, com os meios da lógica jurídica, uma decisão a partir das vigentes disposições jurídicas abstratas; e que, portanto, o direito objetivo deva constituir um sistema sem lacunas.
Apesar de a maioria dos doutrinadores e comentadores da sociologia weberiana se restringir a definir o Direito em Weber como sendo somente o que foi exposto acima, o próprio sociólogo reconhece que esse seria apenas o tipo ideal para o Direito, sendo completamente utópico uma vez que a vida social concreta e o desenvolvimento moderno enfraqueceram a possibilidade de concretização do racionalismo jurídico formal, favorecendo a formação de um Direito Natural Material, vinculado aos interesses de classe, além da particularização crescente do Direito e a influência da ética e da pressão de grupos de interesse e ideologia nas decisões jurídicas.
Essa realidade pode ser sentida no caso do Pinheirinho, analisado nas semanas anteriores, onde as convicções pessoais dos Juízes envolvidos no processo, além da pressão dos grupos interessados, exerceram papel fundamental para a retirada desastrosa e desproporcional de milhares de famílias em benefício de uma única empresa falida. Além disso, a complexidade social impede a previsão, pelo Direito, de todos os fatos passíveis de se realizarem, sendo impossível a inexistência de lacunas e sendo essa formalidade, defendida por Weber, utilizada, muitas vezes, de maneira catastrófica pelos juristas, com a aplicação de normas inadequadas ao caso real ou com a falta da necessária flexibilização das leis em casos não previstos por Códigos e Constituição.

Não foi esse o caso da decisão da Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Jales, onde, diante da demanda de um transexual pela cirurgia de mudança de sexo, bem como a alteração no registro civil, para constar novo nome e modificação do sexo masculino para o feminino, o Juiz valeu-se da interpretação das próprias normas e leis do Código Civil e da Constituição, dos Conselhos de Medicina e Psicologia e dos tratados internacionais firmados pelo Brasil para não somente conceder os pedidos ao transexual, como também para reconhecê-los como direitos fundamentais do indivíduo, afastando os preconceitos da sociedade implícitos na racionalidade material e se aproximando da racionalidade formal idealizada por Weber. A necessidade da sociedade de se padronizar as diferenças, encarando-as como patologias, explicitada pelo Juiz em sua decisão, se relaciona, de certa forma, a visão que Weber tem da modernidade, onde todas as ações e seus efeitos precisam ser calculáveis e sendo inaceitável aquilo que foge a essa regra, como é o caso da transexualidade.

O Direito deve perscrutar o futuro.

Weber propõe que toda decisão jurídica seja a aplicação de uma disposição jurídica abstrata a uma constelação de fatos concretos. Isso pode ser observado através da abertura do catalogo constitucional dos direitos fundamentais, pois os princípios presentes na Constituição de 88 são usados de forma a justificar racionalmente sua aplicação para fatos não tutelados pelo direito.
A garantia desses direitos implicitamente tutelados também demonstram a possibilidade de valer-se do raciocínio lógico na esfera jurídica para decidir a partir das disposições genéricas abstratas, como os direitos fundamentais de liberdade, igualdade, privacidade e intimidade dentro do rol da dignidade da pessoa humana.
Weber diz ainda que o direito objetivo vigente não deveria apresentar lacunas de disposições jurídicas. No mesmo sentido, em face da existência dessas omissões no texto constitucional, existe a proibição de proteção insuficiente, e por isso o Estado tem o dever de garantir ferramentas que possibilitem não incorrer em deturpação do princípio de proporcionalidade, através de uma ação racional, dirigida, utilitária e tecnicamente material, com o fornecimento dos equipamentos e alteração de registro civil para a readequação sexual requerida.
Os laudos médicos, científicos e racionais atestam a necessidade de readequação corporal através da cirurgia de mudança de sexo, para que o transexual sinta-se não mais preso dentro de um corpo que lhe é estranho, e possa lhe ser garantido o direito de liberdade que é parte essencial do direito legítimo. O Direito está em constante tensionamento diante das diferentes perspectivas de racionalização. Por isso, o Direito tende a adotar uma perspectiva de hiper-racionalização de todas as perspectivas da vida, buscando atingir um ponto de vista lógico filosófico dentro de uma racionalidade democrática, justificando a cirurgia de mudança de sexo não apenas pelos laudos médicos, mas dentro de uma perspectiva de uma necessidade visceral para o transexual, uma urgência em ter atendido seu direito fundamental de identidade, de liberdade, e consequente felicidade.
Essa racionalidade que o Direito aparenta está sempre permeada pela irracionalidade trazida pelos costumes, tradições e dogmáticas religiosas. A ementa lembra que o papel do Direito é valer-se do ordenamento jurídico, da Constituição e de tratados internacionais para determinar suas decisões, sem ater-se a aspirações de particulares ou de grupos, quando o direito requerido não fere o direito alheio. Verificada a existência real de direitos fundamentais que possuem uma dimensão objetiva, é exigível uma aplicação imediata. Todavia, o direito formal só pode legitimar um direito caso o conteúdo deste direito não contradiga a razão, que pode estar permeada pelo pensamento religioso, e portanto, não racional. O Direito que deve prevalecer é sustentado na razão pública, fazendo jus ao pacto Constitucional e ao pluralismo presente na Constituição de 1988, valendo-se de argumentos legítimos por todos em detrimento da opinião de grupos específicos.
O direito capitalista é contraditório, pois está sempre rodeado de pressões e ideologias que querem reivindicar sua perspectiva de racionalidade. Isso implica que a ética está vinculada a perspectiva material. Na perspectiva de direito natural puramente formal, o razoável é aquilo que se pode deduzir das ordens eternas de natureza. Todavia, essa concepção é insuficiente para tratar dos transexuais, uma vez que se encontram fora do padrão biológico feminino e masculino. O Direito para Weber é algo que se modifica com o tempo, sendo influenciado de alguma forma, o que explica a evolução do direito formal para o material.
Para Weber, não há fatores objetivos que favoreçam a racionalização do Direito no Capitalismo, mas o desenvolvimento social moderno pulverizou, debilitou em grande medida o racionalismo jurídico formal.  Nesse viés, a ementa traz um embasamento que analisa a sociedade capitalista, dizendo que ela desumaniza os comportamentos a medida que busca estabelecer uma regularidade repetitiva de modelos, e busca vestir os comportamentos desviantes com uma capa patológica, assim como faz com a questão do transexual, buscando criar uma atmosfera de um problema individual, patológico, de uma incapacidade de perceber-se adequado ao próprio corpo físico, quando na  verdade a psicologia destoa dessa concepção patológica afirmando que a transexualidade é apenas um outro modo de exercer o próprio ser e viver a própria sexualidade, e que por isso patológica é a sociedade incapaz de conviver com as diferenças.
É racional aquilo que podemos calcular as suas implicações. A modernidade traz essa necessidade de vislumbrar o futuro. O padrão moderno pautado pelos binômios auxiliam e vem auxiliando homem moderno a pautar sua conduta. O homem moderno sabe exatamente o que será do futuro, ou pelo menos muito do que será o futuro porque ele é padronizável, calculável. Esse padrão é algo útil a sociedade burguesa porque o sistema que ela engendra demanda o cálculo racional que é o domínio sobre o presente mas também sobre o que é o futuro.
Para o Direito, é imperativo se utilizar não mais de uma lógica unívoca monolítica, mas de uma lógica pluridisciplinar, interdisciplinar, sob pena de não dar conta da complexidade do real. A razão jurídica será aleijada se ela se utiliza meramente de referenciais limitados da ciência. Lidar com o direito hoje é lidar em dimensões plurais, multifacetadas. 

A racionalidade absoluta é a utopia, o inalcançável da modernidade, que se constitui evocando a razão como guia para as condutas no novo tempo, mas essa razão é intrínseca não a um viver único, a uma premissa que vale para todos como um valor universal, ela é inerente a grupos, práticas éticas particulares dos grupos. Por isso, é válido dizer que Weber é adequado e pertinente ao nosso momento de forma bem mais contundente que a seu próprio tempo.