O filme Código de Conduta traz à tona uma questão que por mais de uma
vez deve ter cruzado a mente daqueles que se envolvem de qualquer forma
com o Direito. Até que ponto os juristas e operadores do Direito estão
de fato contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária? As decisões tomadas em tribunal, baseadas em leis frias e informações desprovidas de qualquer tipo de análise mais profunda das razões e consequências que tal caso pode ter na vida de suas partes podem mesmo ser chamadas de justiça? Mas talvez, a questão amis importante que o filme traz é: até que ponto podemos relativizar a justiça? Devemos debochar de sua cara, sacrificando seu real significado por um resultado mais satisfatório no tribunal?
O fato é que a justiça, como bem tratada no filme, é a dama de quem melhor conhece a lei. Como em um jogo de tabuleiro, que melhor montar sua estratégia sairá vitorioso, sendo a justiça apenas o nome dado aos movimentos do jogador vitorioso após o fim da partida. Se a justiça é cega, ela o é pois se deita com qualquer um independente das atrocidades que tenha cometido, bastando que este lhe apresente argumentos bons para despir-se.
No filme, o personagem Clyde Shelton se enoja com essa jusitiça, e toma a única atitude que acredita cabível: toma a justiça para si, atribuindo a ela o mérito por sua vendetta. Findado seu relacionamento com a justiça e enojado pela forma como esta passa de mão em mão, decide mostrar ao mundo todo o quão corrupta e volúvel é, objetivando destruir aqueles que corromperam tal figura nobre.
Se todo cidadão fosse como Clyde Shelton, o Direito e seus órgãos representativos estariam em um constante processo de implosão. Opta-se, portanto, por um posicionamento semelhante ao de Nick Rice, advogado de Clyde durante seu processo. Nick é um dos clássicos amantes da justiça, flertando com esta em seus casos, e usando-a para alcançar fins que acredita serem mais adequados e benéficos para a parte que defende. Seu fim é nobre, mas seus meios e sua moral se mostram um pouco manchados pelo ambiente em que vive.
É, contudo, seu comportamento que se mostra mais condizente com o aceitável em nossa sociedade. Nick opta por fazer alguma justiça, em oposição a fazer nenhuma. Infelizmente, o fato é que também usa a justiça para satisfazer seu ego e progredir em sua carreira. Se Nick se arriscasse mais durante seus casos, talvez obtivesse menos sucesso, mas ajudaria a limpar a imagem da justiça.
Não é justo fazer alguma justiça em oposição a uma justiça total. O contentamento com esse pouco já há muito vem descredibilizando a justiça e os aparelhos que atuam por esta. A justiça, se é um fim, deve ser buscada com sua integridade intacta. Mas se a justiça é realmente o ideal a se buscar é outra história.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Tumores do organismo social
O filme Código de Conduta relata uma história que se inicia com um dos protagonistas, Clyde Shelton, interpretado por Gerard Butler, presenciando o assassinato brutal de sua esposa e sua filha. Os dois assassinos são condenados, um deles a pena de morte e o outro, devido a um sistema judicial falho, apenas a cinco anos de cadeia, ainda com a prerrogativa de serem reduzidos. Inconformado com a decisão tomada em relação ao segundo assassino, Clyde confronta seu advogado, Nick Rice, exigindo um recurso visando uma pena mais rígida. Entretanto, Rice afirma já ter feito, mesmo sem consultar Clyde previamente, um acordo, e mostrou conformidade com o sistema falho. Clyde, não satisfeito, inicia um plano de vingança contra os assassinos e de confronto ao sistema. A partir desse contexto, algumas polêmicas podem ser levantadas.
Uma delas é a perda do humanismo no mundo jurídico. Nick Rice pouco se importou que o caso se referisse à família de Clyde, fazendo o acordo com o criminoso sem sequer consultá-lo, demonstrando sua falta de ética e além disso, privando o principal prejudicado pelo crime de obter um mínimo de justiça. Isso ilustra um dos principais problemas do sistema judiciário atual: talvez por estarem saturados de inúmeros processos, advogados, juízes e outros profissionais da área acabam deixando de lado sua humanidade da profissão, preocupando-se apenas com seus próprios interesses, seguindo rigorosamente a lei sem nem pensar em contestá-la quando esta parecer injusta, esquecendo-se de que lidam com outras pessoas, cujas vidas podem ser fortemente alteradas por seu trabalho e suas decisões.
Outra polêmica consiste no questionamento de até onde é válida, principalmente no aspecto moral, a atitude vingativa de Clyde após a sua insatisfação com o julgamento do criminoso. Clyde tomou atitudes que excederam muito os limites, chegando a tirar a vida de vários inocentes, na falha tentativa de derrubar o sistema. Se a punição dos criminosos não foi justa o bastante para o protagonista, sua atitude então foi muito menos, ferindo os princípios da moral, da ética e do direito ao tentar construir sua justiça com as próprias mãos. Por mais frustrado que estivesse Clyde, a concepção de que um crime se paga com outro já não tem mais espaço ou eficiência na sociedade atual.
Essas polêmicas expõem sobre alguns aspectos o quão danificado encontra-se o nosso organismo social, principalmente o falho e corrupto sistema judiciário, que deveria trabalhar em função de manter a coesão e a justiça na sociedade, mas que na grande maioria dos casos trabalha buscando interesses particulares, dando origem a cidadãos frustrados que, mesmo não recorrendo aos mesmos meios que o protagonista do filme, procurarão menos os meios formais de justiça por não alimentarem sua fé neles, comprometendo a organização da sociedade.