sábado, 17 de setembro de 2011

O público no privado e o privado no público

Já que com o passar dos séculos o Direito torna-se mais dividido e especializado, na teoria das práticas jurídicas atuais, uma das distinções mais importantes é entre o direito público e o direito privado, que, apesar das diferentes funções e instituições, estão mais ligados do que nunca.

Costuma-se caracterizar o direito público como o responsável pelos regulamentos e pelo poder de mando do Estado, e o direito privado como aquele que possui assentos jurídicos onde aparecem várias partes consideradas judicialmente “iguais”, entretanto, o Direito, por se tratar de uma ciência humana e social, não torna possível uma divisão exata das partes as quais ele está subdivido, ocorrendo por isso, uma considerável influência de umas áreas em outras, e o mesmo ocorre entre o direito público e o privado, que de certa forma, podem ser considerados complementares.

Tal interferência do direito público no direito privado e vice-versa pode ser vista em exemplos como: a organização estatal atual que permite aos indivíduos meios de proteger seus interesses, limitações estabelecidas por direitos subjetivos e normas objetivas quanto ao poder primitivo do chefe de família, e a possibilidade de adaptar os interesses comerciais a sistemas de direitos materiais.

A hipertrofia do governo, que lança seus “tentáculos” para além de seus domínios, o que acaba tornando-o ineficiente, órgãos estatais do Executivo e Legislativo que passam a defender interesses particulares, a judicialização da política e a politização do direito, o qual passa a ser o único caminho para os interesses sociais, podem ser citados como alguns dos fatores responsáveis por essa complementaridade cada vez maior entre o direito público e o direito privado.

Uma confusão!

Na sociedade pós-moderna é fácil constatar que os interesses privados prevalecem sobre os interesses públicos. O homem se preocupa cada vez menos com o que é público e foca sua atenção unicamente em seus próprios interesses.

Pode ser que o espírito neoliberal tenha contribuído para esse individualismo extremo e para a exclusão da percepção da esfera pública. Contudo, vale ressaltar que responsabilizar o “sistema” pelas atitudes humanas é extremamente confortável; isto é, culpar um ente abstrato é cômodo e forja um esclarecimento do problema, uma vez que identifica um culpado diferente do ser humano.

Essa extrema valorização do privado abrange todas as esferas da sociedade, inclusive a política. Verifica-se que as decisões políticas são tomadas com base em interesses privados em detrimento das preocupações públicas. Materializando tal raciocínio, há a questão da politização do judiciário. Ela ocorre, pois, se interesses privados fundamentam o agir do legislativo, o interesse público apela para o Direito (leia-se judiciário). Ou seja, desesperançosa com a política, a sociedade recorre ao Direito e este passa a cumprir tarefas que não lhe cabem.

Nota-se, assim, a colonização do público (legislativo) por interesses privados e a transferência de funções, uma vez que o Direito passa a exercer papel político. Portanto, é claro que há uma confusão dos limites do que é publico e do que é privado. Tal configuração demonstra a complexidade da ordem moderna relatada por Max Weber.

Público e Privado

As definições de Público e de Privado, para Weber, são complexas uma vez que a linha que as divide é tenua, tão nebulosa quanto a linha de influência entre as duas. Tais conceitos são instáveis uma vez que na realidade o Público e o Privado se misturam constantemente em diversas situações.

O Poder Público muitas vezes influência o Poder Privado pois as leis referêntes a econômia - protecionistas ou não - ordenam diretamente a dinâmica comercial e obtenção de lucro de pessoas jurídicas e até a renda das pessoas físicas indiretamente. As medidas governamentais regulam a vida privada no geral, já que o conjunto de leis de um país é regulador de todo o povo que reside neste.

Já o poder Privado também influência o poder Público uma vez que a defesa de interesses do poder Privado no Público já tornou-se comum. Os patrocínios nas eleições, oriundos de pessoas jurídicas (empresas, universidades particulares...), fazem com que o Poder Publíco vincule-se e até torne-se subordinado aos interesses privados.

Até o conceito de liberdade encontra-se propenso a mudanças de significado se visto do ângulo do poder Público ou do Privado. Ou seja, para o Público, segundo Weber, liberdade é a hipertrofia do Privado; já para o Privado liberdade é a hipertrofia do Público.

O Privado não vê o Público como sua responsábilidade e portanto não se vê no dever de zelar por nada que se diga público. Ocorre portanto, a negação do Público pelo Privado, sendo fácil a apoderação ou degradação de bens Públicos, uma vez que esses não contam com a defesa do público, ou seja, da população.

Paternalismo + Elitismo = Corrosão social


Estudioso da Sociologia do Direito, Weber analisou o Estado e seus âmbitos – público ou privado – detalhadamente em sua obra Economia e Sociedade, mais precisamente em seu VIIº capítulo (Sociologia do Direito). Afirmou que, primordialmente, o portador originário do Estado derivou-se da autoridade doméstica, ou seja, do chefe de família/clã. Portanto, o Estado trouxe consigo desde o seu surgimento fortes ligações com a esfera privada. Desse vínculo com o espaço privado, consequentemente, carregou-se de valores intrínsecos paternalistas. Assim, de um regime de autoridade familiar construiu-se um sistema social de relações paternais entre chefe e subordinados, como se fossem estes uma família tutelada por aquele.

Pode-se notar que essa característica se fez presente ao longo do histórico brasileiro, ainda mais quando junta-se paternalismo com elitismo social. Pois o Estado Brasileiro por muito conservou – e talvez ainda preserve – a particularidade de ser composto essencialmente por uma classe dominante, que em favor da mesma administra o aparelho estatal. Todavia, com o fortalecimento – paulatino, mas constante – da massa popular ao longo do tempo, foi necessário suprimir o fator elitista quando bem convinham aos governantes. Por exemplo, na Era Vargas, quando as classes menos favorecidas foram iludidas pelo paternalismo latente de Vargas, que era apoiado e apoiava a classe mais influente. Consequentemente, mesmo com identificação social, governantes ainda apoiariam certos particulares.

Desse modo, é de fácil percepção atualmente que funcionários da máquina pública a utilizam a seu bel-prazer, ignorando quase por completo as necessidades sociais. Há assim, a deterioração do campo público pela grave corrupção e imoralidade internas. Para o agravamento desse quadro, existe por parte do setor privado, grande intervenção no meio público a fim de defender seus interesses econômicos (fenômeno denominado patrimonialismo), mesmo que sejam – e na maioria das vezes o são – contra o interesse geral. E isso Weber já previa, essa intensa intervenção do privado no público e vice-versa. Contando-se ainda com a atrofia do sentido de responsabilidade cívica por parte dos cidadãos e uma hipertrofia do Governo em diversos âmbitos, tem-se uma facilitação para com os administradores fazerem o que bem entenderem. Obviamente não são todos os governantes ou funcionários públicos atingidos pelo antigo determinismo paternalismo-elitista, mas que esses poucos possam ser apoiados pela sociedade civil para que esse anacronismo acabe ou, no mínimo, míngue.

Os perigos do excesso do Direito Público

Tema 1: O público no privado


No §1º, Capítulo VII, da obra “Economia e Sociedade”, Max Weber discorre a respeito das fronteiras entre o Direito Público e o Direito Privado em um dificultoso exercício que é delimitar tais subdivisões.

O Direito Público do ponto de vista sociológico é, muitas vezes, caracterizado como um “(...) conjunto de normas, para as ações que, segundo o sentido que a ordem jurídica lhes deve atribuir, se referem à instituição estatal, isto é, que se destinam à conservação, à expansão ou à execução direta dos fins dessa instituição, vigentes por estatuto ou consenso (...)”, enquanto o Direito Privado é um “(...) conjunto de normas para as ações que, segundo o sentido atribuído pela ordem jurídica, não se referem à instituição estatal, sendo apenas reguladas por esta mediante normas.”.

Dessa forma, a definição recorrente atrela o Direito Público a tudo aquilo pertencente aos meandros do Estado e de sua administração, cabendo também a ele a criação das próprias leis, ao passo que o Direito Privado não se vincula a ele, mas serve como direito exercido pessoalmente pelos indivíduos, além de serem regulados pelo Estado.

No entanto, a complexidade da vida em sociedade acaba por unir ambos os ramos em apenas uma situação. Exemplo claro é a própria questão do voto: há a necessidade pública de eleger um representante, mas há o direito individual de o eleitor efetivamente querer escolhê-lo.

Sob o espectro econômico, quanto maior a presença do Estado através de leis, menor o direito privado dos cidadãos. Em países de cunho socialista, a propriedade de bens, exemplo máximo de respeito aos direitos individuais, acaba sendo diminuída em favor da coletividade.

Atualmente, no Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 7672/10, do Executivo, conhecido como “Lei da Palmada”, o qual prevê medidas punitivas aos pais que excedam o castigo de seus filhos. Tal iniciativa também demonstra a presença do público no privado, pois o direito de família, a priori, tem natureza essencialmente privada. Com as intercessões estatais até mesmo concernentes à educação dos próprios rebentos, a noção de direito individual se vê cada vez mais diminuta. Aliás, vale ressaltar que o próprio Código Penal dispõe sobre medidas violentas e agressivas, isto é, a criação de mais uma lei é apenas um esforço redundante.

Um problema premente dessa realidade são as formas adquiridas pelo governo, ou seja, ele se expande de tal maneira que possivelmente ficará muito fácil migrar de uma situação democrática para outra autoritária, gerando cerceamentos a pequenas iniciativas pessoais.

Portanto, a sociedade deveria se preocupar com medidas de alto teor coletivista em troca de facilidades ilusórias, pois uma vez implantado o totalitarismo das massas, dificilmente será possível o retorno à liberdade.