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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Relativismo Igualitário

Em seu artigo “Poderá o Direito ser Emancipatório?”, um dos maiores juristas portugueses da contemporaneidade, Boaventura de Sousa Santos, defende a adoção de um caráter progressista do uso das normas, um direito atento às demandas sociais do universo concreto e contrário às discordâncias do status quo. Assim, o autor encara o poder judiciário como instrumento capaz de garantir uma igualdade real diante das diferentes estratificações presentes na sociedade, e não uma isonomia “cega” e mantenedora de um fascismo social anômico.
Facilmente enquadrado nos escritos de Boaventura, encontra-se o impasse, ocorrido em 2009, mediante a adoção das cotas raciais reservadas para 20% das vagas oferecidas pela Universidade de Brasília (UNB)e a alegação de inconstitucionalidade desta reserva, realizada com maior ênfase pelo partido Democratas. Este embate, quando analisado pelo prisma do direito emancipatório, representa uma exemplificação perfeita entre os conceitos de Boaventura e a visão de um direito como ferramenta de cumprimento dos status dominante.
Em tese, para o partido Democratas, a adoção das cotas raciais na UNB seria um afronte ao artigo quinto da Constituição que prega a igualdade de direitos dentre os cidadãos brasileiros, visto que os 20% reservados garantiriam um privilégio indevido aos negros e pardos que o usufruíssem. Desse modo, as cotas raciais caracterizariam um ato inconstitucional e inexato mediante a pluralidade da miscigenação, específica do povo brasileiro, que dificultaria a definição dos beneficiados pelas reservas em questão. Em sua ação, o DEM inclusive chega a questionar se a decisão da Universidade não estaria defendendo  o conceito de nação bicolor, "negros" e "não negros", o que poderia vir a reafirmar a construção de uma nação polarizada.
Tais afirmações constituem, na verdade, excluem os aspectos sociais e históricos na construção da sociedade brasileira, bem como negam o caráter da Constituição como fruto de seu tempo. A igualdade pregada pela Magna Carta, mais enfaticamente em seu artigo quinto, constitui um conceito extremamente subjetivo e muito mais amplo do que a simples aplicação de leis a todo e qualquer individuo inserido na sociedade brasileira. Partindo da interpretação obra de Boaventura,  a isonomia pregada pelos Estados Sociais é, na verdade, a busca pela percepção das demandas sociais vigente; é a preferência do concreto sobre o teórico; e principalmente a ideia de equidade como um valor a ser alcançado, através do direito, não como uma competência já estabelecida.
A alegação de inconstitucionalidade das cotas raciais da UNB e de sua dificuldade de aplicação é dar as costas às crises da realidade em detrimento do status quo; é a concretização do fascismo social. Desse modo, a abertura das universidades para as classes historicamente desfavorecidas pelo Estado, na verdade, é um grande instrumento para o favorecimento da igualdade por entre o brasileiros e, logo, um exaltador do artigo quinto da C.F. Ademais, a miscigenação brasileira nunca foi suficiente para minimizar a estrutura desigual baseada na etnia, fazendo com que pareça não ser árdua a tarefa de distinguir os que devem ou não ser favorecidos pela decisão tomada pela UNB em 2009.
O direito pode, e no Estado Democrático de Direito deve, ser denominado como emancipatório. Concordando com o STF, as cotas obrigatórias garantem um pequeno progresso na hegemonia educacional vigente e a emancipação de uma classe historicamente desfavorecida pelo fortalecimento desenfreado do fascismo social.

Lucas Correa Faim - Noturno

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