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sábado, 1 de outubro de 2016

Na posse do poder, todos são Naji Nahas.

Aqui estamos mais uma vez. Dessa vez, discutimos um problema maior: a justiça e o Direito, mais precisamente, o acesso a moradia e propriedade no Brasil, caso posto: a reintegração de posse no Pinheirinho, 2012. 

“Construímos nossa maloca
Mas um dia, nós nem pode se alembrá
Veio os homis c'as ferramentas
O dono mandô derrubá
Peguemos todas nossas coisas
E fumos pro meio da rua
Apreciá a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração [...]”

“Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia
Eu nasci pequenininho
Como todo mundo nasceu
Todo mundo mora direito
Quem mora torto sou eu
Eu não tenho onde morar [...]”

“Quando o oficial de justiça chegou
Lá na favela
E, contra seu desejo
Entregou pra seu narciso
Um aviso, uma ordem de despejo
— É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
Ô, ô, ô, ô, ô!, meu senhor!
É uma ordem superior
— Não tem nada não, seu doutor
Não tem nada não [...]”

“Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague [...]”.

Mas não é somente nas letras e canções dos tempos áureos tupiniquins que o problema da moradia é desnudado. É factível perceber que desde muito tempo, talvez desde o que o Brasil é Brasil, existe um grande problema de moradia em nosso país. Há donos de terras em toda parte.

Mas temos a impressão (ou realidade ocultada) de que existem Naji Nahas em cada esquina, inclusive fazendo as leis. Pela história temos: 
450 a.C - Lex Duodecim Tabularum. Tabua III: Adversus hostem aeterna auctoritas esto. Determina que contra um inimigo o direito de propriedade é válido para sempre. Tal norma é decorrência das guerras travadas contra outros povos. Se um inimigo tivesse o domínio de determinada terra essa ainda pertenceria a seu antigo dono, que poderia reavê-la por meio da força. Tábua VI: De domínio et possessione.
1600 d.C. - Há donos de terras em toda parte. Os primeiros pedaços de terra foram chamados de capitanias hereditárias, logo, eram capitães. Mas herdados de quem? Não se explica. O Estado português nunca deu devidas ou maiores explicações.
1824 d.C. - Constituição Imperial de 1824, a propriedade era tida como um direito individual, sem qualquer atenção para o seu interesse social.
1850 d.C. - Lei de Terras, como ficou conhecida a lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. O Estado impediu negros, mulatos e outros brasileiros de ter acesso ao pedaço de Terra.  Ficou estabelecido, a partir desta data, que só poderiam adquirir terras por compra e venda ou por doação do Estado. Não seria mais permitido obter terras por meio de posse ou por meio de cultivo. Vilania.
1856 d.C. - O Estado, a partir do ano de 1856, começa a dificultar a construção de novas moradias populares no centro da cidade, posteriormente proíbe a sua construção, fechando-as, e em alguns casos, efetua a sua demolição.
Até aqui, o Estado e as leis só prejudicaram ou retardaram o acesso à terra e a propriedade. Sob perspectiva hegeliana, o Direito seria uma forma de atingir a liberdade, com características isonômicas e garantidoras da felicidade. Não ocorreu. Prossigamos, pois.
Vejamos um exemplo de como as leis foram modificando o Brasil no que tange a moradia:
1930 d.C - No início do século XX, devido à rápida industrialização, as cidades atraíram grande parte da população, porém, inexistiam políticas habitacionais que impedissem a formação de áreas urbanas irregulares e ilegais. As áreas ocupadas ilegalmente são expressões diretas da ausência de políticas de habitação social. As políticas habitacionais propostas foram, em sua maioria, ineficazes devido a diversos fatores políticos, sociais, econômicos e culturais.
1934 d.C. - a Constituição de 1934 dispôs sobre o princípio da função social da propriedade, princípio este que fora mantido nas Constituições de 1937 e 1946, sendo que na última constou também o direito à propriedade dentre os direitos individuais, além do social.
1964 d.C - Sistema Financeiro de Habitação (SFH), instituído pela Lei 4.380/64, que objetivava a dinamização da política de captação de recursos para financiar habitações por meio das cadernetas de poupança e recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) através do Banco Nacional de Habitação (BNH). Entretanto, com crises econômicas, arrocho salarial e perda do poder aquisitivo, as prestações da relação contratual muitas vezes foram corrigidas em desacordo com o aumento salarial, o que gerou uma inadimplência acentuada. O resultado é o que SFH beneficiou muito mais as classes com renda mais elevada (acima de 8 salários mínimos), do que aquelas de baixa renda (abaixo de 3 salários mínimos).
1967 d.C. - A Constituição Federal de 1967 destacou o tema da “função social da propriedade”, mantida inclusive na Emenda Constitucional de 1969, permanecendo o direito de propriedade sob os dois aspectos (social e individual).
1988 d. C. - Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
2001 d.C. - Lei 10.257/2001, chamada de Estatuto da Cidade, tornando assim o direito à moradia mais viável para os milhões de moradores da “cidade ilegal”, através de novas políticas de regularização fundiária.
2005 d.C. - LEI Nº 11.124, DE 16 DE JUNHO DE 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS.
Art. 2o Fica instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, com o objetivo: I – viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável;
2009 d.C. - Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) foi lançado em março de 2009 pelo Governo Federal para permitir o acesso à casa própria para famílias de baixa renda.
Aqui já temos uma evolução mais próxima do modelo idealístico de Direito hegeliano, algumas leis tentaram suplantar defeituosidades e garantir a felicidade de um segmento da população.
Porém, ainda nesses programas, em especial o MCMV, temos os resquícios da perpetuação dominadora no país, em recente pesquisa a socióloga Melissa Fernandes Arrigotia, da London School of Economics (LSU), diz que o programa, apesar de boas intenções, mascara e reproduz desigualdades sociais em vez de diminuí-las. Ela diz que, apesar de agora possuírem um teto para morar, têm também novas dificuldades financeiras e de mobilidade, como por exemplo a distância e o custo de transporte até o local de trabalho. Em outro argumento, o arquiteto Héctor Vigliecca, diz que o Minha Casa, Minha Vida acaba gerando ainda mais exclusão. O poder público constrói "depósitos de prédios", com o objetivo de atingir metas numéricas, mas sem se preocupar com estruturas que promovam a cidadania. 
ORA, temos um choque de realidade ao nos deparamos com as escrituras legislativas e o que realmente acontece. Por exemplo, no caso de Pinheirinho, onde mais de 4 mil pessoas foram retiradas de um espaço de terra em S.J. dos Campos, no ano de 2012, mesmo com tantas palavras bonitas expressas e assinadas em acordos internacionais pelo governo brasileiro. Temos problemas, sob a ótica marxista, pode-se inferir que o Direito serve a alguém - que não é a classe trabalhadora- no embate entre Naji Nahas e moradores, o Direito posicionou-se ao lado do proprietário legal, evidencias da natureza classista do aparelho jurídico do Estado numa sociedade capitalista.  No sistema jurídico nacional tudo se passa como se a legalidade da posse da terra se repercutisse sobre todas as outras relações sociais, inclusive contra os direitos humanos e outros básicos. Ou seja, sendo, pela ótica de Marx, o direito é um falseamento da realidade ou seja, direito superestrutura do sistema capitalista, está arraigado no pensamento burguês, sendo paliativo, mais precisamente o ópio do povo. Ademais, o Direito não nasce espontaneamente dessas relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei.
Mas o fato é que, de modo geral e abarcando a universalidade dos fatos, a evolução do Direito trouxe evolução da liberdade, ao compararmos o direito romano com as liberdades de sua época, veremos que de século em século, escravos foram ganhando alguns direitos, mulheres também. No egípcio temos a mesma percepção, se compararmos leis de outros séculos, com o hodierno, veremos que vivemos muito melhor e com mais liberdade do que nossos antepassados.
Mas, insisto em dizer que o Direito também serve como promotor do bem-estar, não podemos vilanizar decisões judiciais, afinal, temos um ordenamento jurídico a seguir e, se quisermos atingir melhores níveis, será pelo respeito a ele, achando brechas dentro dele. Se nós, com nosso pouco pedaço de construção, o tivesse essa parte invadida, ocupada, metade do seu quintal utilizado por pessoas que não lhes são familiares, qual seria a nossa reação? De querer reaver? De deixar usarem? Ou de firmar um acordo? Difícil responder. Entretanto, em seu argumento, a juíza deixa claro que ambos os direitos estão em pé de igualdade (propriedade e de moradia), como de fato estão, o primeiro está no art 5°, XXII e o segundo, no art 6°, da Constituição Federal de 1988, e ela [juíza], sendo um dos três pilares de poder no Brasil, não poderia usurpar funções que cabem ao Executivo e Legislativo. Se dois poderes estão estagnados, devemos nós força-lo a funcionar. E em outro ponto, acena para que as partes, em conjunto com o governo, façam um “acordo”, ela diz: “seria mais eficiente destinar outro local com custos menores e melhor planejamento?”. Assim como tudo na vida, o Direito pode servir para bem ou para o mal. De certa forma, nos últimos anos, a população tem visto muito de suas conquistas, seus direitos efetivados, serem fruto da ação das leis e de juízes, entretanto, acostumados com a inépcia dos outros poderes, o desespero faz com que peçamos socorro à toga, enquanto esta, ao meu ver, não está legitimada a fazê-lo, uma vez que não foram eleitos, não passaram pelo crivo da população e nem colocaram planos de governo ou projetos em referendo eleitoral. 
Outro ponto crucial, reside no fato de ‘quem’ faz as leis e ‘porque’ faz ou ‘por quem’ o faz. Uma pesquisa revelou que metade nos nossos legisladores são milionários, assim como o Naji Nahas, ou seja, será que podemos esperar algum retorno positivo do Estado? Após recentes casos de corrupção, desvio de dinheiro e projetos comprados, tudo desnudado pela Operação Lava-Jato, temos a percepção de que nem mesmo aqueles que elegeram-se com discurso popular estão mantendo suas palavras.
Na posse de terras, nem sempre querem mais terras.
Na posse do poder, há que sempre querer mais poder.
No posse do poder, todos são Naji Nahas.

(Victor Hugo Xavier, 1° Direito - Noturno)

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