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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

E ele não mataria uma mosca...

   A um tempo atrás ouvi uma história. História típica de cidades pequenas, supera a velocidade da luz e se propaga como mistério sem, no entanto, deixar de flertar com a realidade. Segundo as más línguas que a conta, segundo a minha própria má língua, Ródia, um jovem estudante que não mataria uma mosca – e um jovem estudante já é mais que suficiente para apresentá-lo – deitado em seu quarto, que, a propósito, era também seu banheiro, sala de estar e cozinha, em cima de um colchão que nem mesmo os sem tetos ousariam repousar, pensava na fome. Interessante que, quando famintos a tanto tempo quanto o jovem Ródia estava, pensar na fome não é uma questão de escolha. Na verdade, acredito realmente que não se trata nem ao menos de pensar. Seu estômago, retorcendo-se,  pouco a pouco se autoconsumia, clamava desesperadamente por algo, por ação. Quando famintos a tanto tempo quanto o jovem Ródia, sua cabeça não é mais realmente sua. Mas, bom seria se a fome fosse o único problema de nosso miserável não-herói. Bom seria se sua morte fosse apenas mais uma dentre os milhares de ródias, mais uma morte a ser ignorada nas estatísticas do jornal local. A vida continuaria como se nada tivesse acontecido.
    Mas você, bom leitor, já imagina que o jovem Ródia não terá tal vil fim. Está claro que ele será capaz de enganar a miséria e estender sua angústia para uma posterior história, para um outro narrador. O que tenho a dizer é que não somente da fome remoía a mente de nosso estudante. Deitado num colchão que até as baratas abdicaram o direito de usufruto, pensava no mais perfeito plano que ele poderia elaborar naquela situação. Francamente, agora em pé, olhando-se através de um velho e enferrujado espelho, cujas bordas já escurecidas pelo tempo e maus tratos, surrado, não sabia ser o espelho ou a si mesmo. Não pensava mais no plano, pensava agora em como foi tão ridiculamente executado. Como ele, um jovem e desesperado estudante, pode assassinar uma doce e gentil velhinha ? Daquelas de filmes americanos, que vivem sozinhas e guardam as joias nos lugares mais cômodos para aqueles que as desejarem roubar.
    Ródia, em crise, tem de um lado os demônios do crime, de outro a terrível necessidade de dinheiro, mais que isso, a terrível necessidade em se nutrir. Seu valores, sua humanidade, competem com seu extinto, com seu eu animal. Não é preciso dizer que, realmente, ridiculamente executado, Ródia foi descoberto, julgado e condenado culpado. Quem diria, quais eram as probabilidades. Um jovem. Um estudante. Um homem que não mataria uma mosca… acho que pode-se dizer que, realmente, não matou uma mosca.

Pedro Guilherme Tolvo - noturno -

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