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domingo, 13 de março de 2016

Discurso do método à margem

      Mais do que o desenvolvimento de uma metodologia essencial ao avanço científico, o ‘’Discurso do método’’ é inovador e atual por criticar um modelo autoritário e dogmático de transmissão do conhecimento: a Escolástica. Ao opor-se a ela, Descartes nega a diferenciação quantitativa da inteligência; afirma que o saber deve ser um instrumento de transformação da realidade e coloca o questionamento metódico como indispensável à busca pela verdade. Passados os séculos, essa dicotomia entre aprendizagem autoritária e ‘’democrática’’ se mantém viva. Em uma observação atenta do Brasil, por exemplo, fica evidente que dialogamos muito mais com a Escolástica do que com Descartes e é nessa falta de diálogo com filósofo francês que reside as principais falhas do modelo educacional brasileiro.
   Para Descartes, todo ser humano tem igual capacidade de pensar racionalmente e, sendo assim, a pluralidade de conclusões provêm do fato de consideramos diferentes coisas e caminhos. No entanto- tal qual na Escolástica- na maioria esmagadora das escolas brasileiras o professor se apresenta como detentor dos saberes, cabendo ao aluno a assimilação passiva das informações. Existe, portanto, uma hierarquia entre professor e aluno, onde o educador é colocado como ‘’o mais racional’’.  Ademais, os alunos também são hierarquizados entre ‘’bons’’ e ‘’ruins’’ através de critérios de avaliação pautados na memorização de conteúdo. Isso fica claro nas reuniões de pais e nas entregas de avaliações, quando os alunos que obtêm as maiores notas são tratados como ‘’exemplares’’.
   Nesse cenário antipedagógico, não há estimulo aos diversos tipos de inteligência, como a musical ou artística e nem as ''diversas razões''. Devido à perda de dúvidas preciosas- dado o escasso espaço para o debate- formamos indivíduos com uma visão unilateral de mundo, acríticos- por exemplo- ao teor eurocêntrico do currículo escolar. Além de ofuscar o princípio cartesiano da dúvida, as escolas costumam ocultar a aplicação prática do conhecimento: ‘’para que serve essa matéria? Como posso aplica-lo no meu dia a dia?’’. As respostas para essas perguntas desanimam o estudante, pois as fórmulas de física, as equações matemáticas, as unidades de relevo e os fatos históricos servem aparentemente apenas para passar na prova e não como bases para a inovação do saber.
   Do colégio à universidade, o cenário não se altera tanto. Na faculdade também nos deparamos com os alunos ‘’geniais’’ que, em diversos casos, apenas reproduzem discursos de senso comum. Com relação ao princípio da dúvida, o meio acadêmico se polariza: marxistas de um lado e neoliberais de outro, sem que haja um diálogo entre eles, posto que ambos os lados possuem a convicção de que detêm a verdade absoluta. Já a aplicação prática do conhecimento fica, muitas vezes, em segundo plano pois o saber é colocado a serviço da vaidade de alguns. Trata-se, claramente, do conhecimento especulativo semelhante à Escolástica e tão criticado no ‘’Discurso do método’’. 
  Diante das linhas gerais do panorama brasileiro de ensino, percebe-se que a consequência de dialogarmos mais com um modelo autoritário e padronizador de construção do conhecimento não é apenas a formação de uma menor quantidade de cientistas do que temos potencial, mas também a formação de sujeitos avessos a realidade social. Isto é, nos traz prejuízos em termos de transformações técnico- científicas e, principalmente, político- sociais.   

Juliana Inácio- 1 ano direito (noturno) 

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