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domingo, 22 de novembro de 2015

Muro das Lamentações (e das Decisões)


Ao analisar a Ação Direita de Inconstitucionalidade número 4.277 – que pleiteava o reconhecimento da União Homoafetiva como um instituto jurídico com o mesmo rol de direitos reconhecidos aos casais heteroafetivos – é possível analisar claramente o fenômeno da Judicialização da Política e do Ativismo Judiciário, exposto no texto de Luís Roberto Barroso, ambos cada vez mais constantes no cenário político brasileiro. Primordialmente, é importante ressaltar que a ADPF inicial resultava da interpretação de incisos implicando efetiva redução de direitos a pessoas de preferência ou concreta orientação homossexual e de decisões judiciais proferidas no Estado do Rio de Janeiro e em outras unidades federativas do País que decidiram nesse mesmo sentido. Assim, o autor da arguição argumenta que, nessas situações, têm sido violados preceitos fundamentais da igualdade, da segurança jurídica, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que a homoafetividade constitui ‘fato da vida que não viola qualquer norma jurídica, nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros’ (ADI, p. 618).
Desconsiderando a obviedade em decidir inconstitucional essa diferenciação, decorrente de qualquer vivência no século XXI - em que a orientação e a livre escolha sexual não deveriam mais ser considerados temas tabus - essa arguição traz à luz curiosamente o tema da Judicialização, que muito diz sobre a sociedade e o Direito brasileiros e que possui causas e consequências que precisam ser esclarecidas. A começar, a Judicialização implica em condicionar ao Poder Judiciário a capacidade de tomar decisões sobre temas iminentemente políticos, como a saúde e a união homoafetiva, que deveriam ser do âmbito Executivo ou pertencer a debates parlamentares, enquanto o Ativismo Judicial consiste em um modo proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance para além do que está explicitamente escrito. Ambos estão claramente ligados. São diversas as causas para os dois fenômenos, conforme abordado no texto do ministro Luís Roberto Barroso.
Entre elas estão a própria disposição da Constituição de 1988, que por ser demasiadamente abrangente, não permite ao Judiciário agir de maneira diferente no controle de constitucionalidade, já que ‘se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria’(BARROSO, p.6). Há também a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no Legislativo e a dificuldade dos partidos políticos atuais de se colocarem como articuladores dos novos sujeitos sociais. Além disso, existe também uma problemática mais subjetiva: a crescente flexibilização da vida econômica e social, característica do neoliberalismo que vivemos, causa uma necessidade urgente de que a Constituição garanta – através da expansão da sua forma – os direitos sociais aos diversos grupos que antes eram assegurados pelo Estado. Assim, vê-se a transformação do Judiciário em um poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis e de transformar temas Políticos em Direito e garantias.
A consequência disso é uma hipertrofia do Judiciário que não tem previsão de fim e nem de resultados.  Mais do que isso, acaba por definir uma série de direitos que não possuem respaldo no contexto societário atual do País. Essa situação é claramente agravada pela comum ‘contratualização’ da vida e das relações sociais, em que tudo – como a educação e a previdência – é definido entre os indivíduos, diminuindo a garantia do Estado e aumentando a possibilidade de conflitos.Sendo assim, uma possível solução para essa transferência de decisões políticas para o âmbito jurídico seria dar ao Estado um maior poder de regulação da vida social como um todo, isto é, haver uma alta juridificação – fundamentada pela Constituição – e uma baixa Judicialização, como proposto pelo ministro Barroso. 
No entanto, é fundamental destacar que, independentemente de significar uma crise dos Três Poderes e uma atrofia do Legislativo (poder representante da vontade soberana do povo), a Judicialização tem sido responsável, no Brasil, pela tomada de decisões mais efetivas e importantes sobre temas políticos controversos que, caso tivessem sido debatidos pelo atual Congresso ultraconservador, poderiam ter tido outro fim (retrógrado e ultrapassado, aliás).Ou seja, a Judicialização no País tem sido motivo de conquistas mais do que de preocupações e, aparentemente, esse movimento proativo ainda está se iniciando uma vez que cada vez mais discute-se o ativismo judiciário. 
Dessa forma, ao menos se tem no Judiciário um espaço em que os aspectos da Constituição são debatidos criticamente, como visto na ADPF sobre o reconhecimento de que a Constituição federal não empresta ao substantivo ‘família’ nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica; sobre considerar, de forma plural, o núcleo familiar como categoria sócio-política-cultural; e sobre utilizar a ‘interpretação conforme à Constituição’ em direitos e garantias que não estejam expressamente escritos na Constituição, mas que não são excluídos dela devido ao regime e aos princípios adotados. Desse modo, que previsões temorosas sejam feitas e que se pretenda modificar a atuação do Congresso, mas, acima de tudo, que se permita que o poder magistrado continue sendo a sintonia necessária - e urgente - com o sentimento social.

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