Total de visualizações de página (desde out/2009)

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Fim do Processo da Exclusão

     Durante uma intervenção de ativistas negros na aula de microeconomia da Faculdade de Economia e Administração da USP, o aluno Renan Silva se levanta, em meio a críticas de parte de seus colegas que alegavam que aquele não era o momento para tal discussão a fim de que a professora pudesse dar continuidade à aula, e relata a dor que é ser o único negro em uma sala de cem alunos defendendo o debate em relação à implantação de cotas raciais em sua universidade. Transpondo o assunto à Universidade de Brasília, cujo Plano de Metas visava contemplar três grupos básicos: negros, índios e alunos de escola pública, além de engendrar uma composição social, étnica e racial possibilitando refletir a diversidade da sociedade brasileira como um todo.
     Levando-se em conta que a universidade busca a oportunidade de conviver com o outro e demonstrar a pluralidade de opiniões e vivências, como, no caso de Renan, isto poderia ocorrer? Ele sempre estudou em escola particular e frequentou um cursinho pré-vestibular onde era o único negro em cento e setenta alunos, logo afirma compor uma minoria capaz de galgar uma vaga em uma universidade pública ao contrário de milhares de jovens negros que, em sua maioria de baixa renda e escola pública, não possuem o ensino adequado para o alcance da aprovação em um vestibular concorrido e as circunstâncias para favorecerem sua aprendizagem. Desta forma, a UnB procura fornecer um conjunto de medidas a fim de que esta situação finde por meio da disponibilidade de 20% das vagas do vestibular para negros e uma pequena parcela para indígenas, do desenvolvimento de um programa de acompanhamento em escolas públicas para que estes estudantes tenham igual oportunidade para competir por um vaga com alunos de escolas particulares e medidas para auxiliar na permanência dos alunos cotistas, tais como: bolsas de manutenção, moradia para estudantes indígenas etc.
     Assim, a universidade inspiraria jovens que antes tinham perspectivas de empregos mal-remunerados e a impossibilidade de um curso superior em uma instituição pública a buscar o ingresso em universidades públicas, porém o Partido Democratas (DEM), como requerente em uma ADPF, pleiteava a declaração de inconstitucionalidade das cotas raciais da UnB de modo a cancelar a primeira chamada para a matrícula e impedir o ingresso de tais estudantes no curso escolhido. Por fim, o Supremo Tribunal Federal julgou como constitucional o sistema de reserva de vagas promovido pela UnB.
     Percebe-se uma pequena fratura no predomínio dos processos de exclusão sobre os processos de inclusão uma vez que indivíduos passaram da impossibilidade de alcançar determinado objetivo a realidade de vivenciar a conquista. Analisa-se ainda que tal situação proposta pela ADPF evidencia os dois processos de exclusão enunciados por Boaventura de Sousa Santos, o pós-contratualismo e o pré-contratualismo. Aquele consiste em excluir sem qualquer expectativa de regresso, os grupos até então incluídos no contrato social, aplicando-se ao caso em questão, se a ADPF fosse deferida, aquele grupo incluído na estrutura da universidade pública por meio da ação afirmativa deixaria de estar, voltando ao processo de exclusão. Enquanto o pré-contratualismo é o impedimento do “acesso à cidadania a grupos que anteriormente se consideravam candidatos à cidadania e tinham razoáveis expectativas de a ela aceder” (SANTOS, 2003, p. 18), assim se a ADPF fosse deferida, outros estudantes ficariam impossibilitados de ingressar na UnB por meio das cotas raciais dando continuidade ao processo de exclusão.
      Ainda que seja alegada a meritocracia como justificativa contra as contas uma vez que qualquer um teria a capacidade de estudar com o intuito de ser aprovado em um vestibular, porém em uma sociedade sob diversos processos de exclusão e cujos indivíduos se encontram incluídos no dito contrato social possuem privilégios, como tal objetivo seria alcançado? Considerando que o sujeito, fora da esfera das escolas particulares e de um ensino básico de qualidade possibilitando uma chance de realizar a prova com sucesso, não possui perspectiva de ingressar em tal universidade dado que há um domínio de tal espaço exercido por grupos específicos que o ocupam e o tornam exclusivo destes e de que modo poderia haver a emancipação? Em Boaventura de Sousa Santos, vê-se uma preocupação do direito como alavanca da emancipação social, contudo “[…] o direito não pode ser nem emancipatório, nem não-emancipatório, porque emancipatórios e não-emancipatórios são os movimentos, as organizações e os grupos cosmopolitas subalternos que recorrem à lei para levar suas lutas por diante.” (SANTOS, 2003, p. 71) Desta maneira, cria-se a necessidade de uma entidade habilitada a propor uma solução moderna para um problema moderno que não deve mais ser resolvido a partir de resoluções de antigos manuais políticos, ele deve ser analisado e sanado de acordo com o contexto político, social e histórico em que está inserido.
     O sistema de reserva de vagas permite aos indivíduos pertencentes a sociedade civil incivil, composta pelos totalmente excluídos, integrar a sociedade civil estranha, junção de inclusão e exclusão. Contudo, todos estes indivíduos farão parte da sociedade civil íntima, caracterizada pela grande inclusão social, quando as cotas raciais tornarem-se desnecessárias e este grupo atinja uma verdadeira emancipação em que superaram o processo de exclusão e estejam efetivamente inseridos na sociedade sem a ajuda de ações afirmativas e sim, pela própria estrutura social.

Camila Migotto Dourado
1º ano Direito - Diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário