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domingo, 27 de setembro de 2015

Os Valores Deturpados

      Havendo falido uma empresa, e deixado um terreno abandonado, algumas pessoas integrantes do Movimento Sem Teto passaram a ocupá-la. Aos poucos foram criando uma comunidade, até atingir o total de 5488 moradores. A área ocupada ficou conhecida como Pinheirinhos. Era um verdadeiro bairro, com uma logística claramente diferenciada. “[A comunidade Pinheirinho] era formada por cidadãos produtivos e suas famílias, que construíram uma situação socialmente consolidada, ocupando uma imensa área abandonada e improdutiva. A comunidade, portanto, deu ao imóvel sua função social”. (Reclamação Disciplinar 0003705-16.2012.2.00.0000)
       Função social esta que a empresa não estava cumprindo, ao deixar a propriedade abandonada. Contudo, a área se tornou mais valorizada economicamente, o que fez com que o proprietário passasse a querer seu imóvel de volta. Isso acarretou na abertura de um processo de Reintegração de Posse. Os juízes que dela participaram foram parciais, favorecendo a empresa descaradamente, a comunidade entrou com um recurso, mas foi negado. Marx, se estivesse ainda entre nós, ao analisar tal caso, afirmaria que isso é fruto de uma sociedade capitalista burguesa, pois o direito é dominado pela burguesia para que seja um instrumento a seu favor.
       Enquanto a empresa lutava por seu direito à propriedade, os moradores da comunidade lutavam por seu direito à moradia. Ambos são protegidos pela Constituição e encontram-se no mesmo patamar dentro da hierarquia normativa. Todavia, há que se levar em conta que a comunidade já estava ocupando o imóvel havia sete anos, enquanto a empresa não fazia nada de útil com ele, além de deixar de pagar alguns meses de impostos.
       O argumento usado para defender a empresa, pelo desembargador José Joaquim dos Santos, foi o de que o imóvel não estava realmente abandonado, pois os proprietários haviam formado uma guarita para proteger a área contra a ação de usucapião. Nesse sentido, ele afirma “Ora o simples fato da permanência de tais pessoas no bem, exercendo vigilância sobre a ocupação do autor, já é apto a afastar a alegação de abandono do imóvel pelo seu proprietário e de posse tranquila pelo autor”. (Recurso de Apelação Cível n° 9126521-61.2005.8.26.0000)
      A juíza Márcia Faria Mathey Loureiro diz que os “esbulhadores” estavam lutando por seu direito constitucional à moradia às custas da empresa falida. Ela utiliza o direito de forma técnica, da forma como Hegel defendia. Este pensador acreditava que, por serem todos iguais perante a lei, todos teriam as mesmas oportunidades. Em sua visão, tanto os integrantes do MST quanto o proprietário da empresa, teriam tido os mesmos direitos, mas o último, devido ao seu esforço e mérito, haveria alcançado maior prosperidade. Portanto, entregar a propriedade aos moradores da comunidade, em sua visão, seria um erro, já que eles não haveriam batalhado para consegui-la, como o proprietário. A juíza, portanto, compartilha de uma visão semelhante à dele.
       Por fim, qualquer que seja o posicionamento correto, seja tomando como base a sociologia, ou o direito, nada justifica a forma como os integrantes do MST foram tratados. Durante o procedimento de desocupação, vários moradores foram agredidos, alguns até mortos. Foram humilhados, espancados, segregados. Toda essa ação feriu gravemente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que, supostamente, deve nortear todo o direito. Foram tratados como criminosos, sendo que a grande bandida nessa história foi a sociedade na qual eles e nós estamos inseridos, essa sociedade cheia de valores deturpados, que não consegue pensar em algo além do lucro.


Beatriz Mellin Campos Azevedo
Diurno

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