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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Horizontes do caso Pinheirinho

"Olhos nos olhos, preste atenção
Olha a ocupação
Só ficou você, só restou você
Uivo louco, sangue em choro
Pra agradar opressão" 
- Criolo

Em 2004, pessoas sem teto estabeleceram-se em certa região da zona sul da cidade de São José dos Campos, formando uma comunidade conhecida por Pinheirinho. Tal terra pertencia à Naji Nahas, e, portanto, à sua empresa Selecta Comércio e Indústria S.A que constava na categoria de massa falida. Nesse panorama, uma marcante disputa foi travada, durante 7 anos, entre os ocupantes e a indústria; esta requerendo o direito à propriedade privada, aqueles à moradia digna.
Entretanto, a situação não se resume meramente a esse embate. Durante o trâmite do processo, é notável uma diversidade de enfrentamentos, com menor escalão, mas que contribuíram para o arcabouço geral de decisões e aplicações – corretas ou incorretas – de leis.
De um lado da moeda ocorria a ocupação. Pessoas em situação de miséria, sem seus direitos resguardados (como preveem tanto a Constituição, quanto os diversos Tratados Internacionais assinados pelo Brasil), construíram naquela região uma comunidade bem organizada, dando aquela terra função social. Realizavam Assembleias cotidianamente, trabalhavam e produziam em um ambiente próprio, que fora formado seguindo todas as normas urbanísticas; o índice de mortes entre aquelas 1.600 famílias era mísero. A bandeira para a Pinheirinho ser regularizada como núcleo habitacional já havia, inclusive, sido levantada. Tal utopia com possibilidades de concretização, não passou de efeito Cinderela: a realidade organizada da comunidade divergia da movimentação do processo de reintegração.
Marx, ainda no século XIX, expôs a sociedade como conflituosa, sempre resultado da luta de classes. À luz de sua teoria, utilizando termos marxistas, a empresa de Naji Nahas, transfigurar-se-ia em burguesia, e a comunidade do Pinheirinho em proletariado. Isso porque, visto a conclusão do caso estudado, ou seja, a dizimação de Pinheirinho, ficou comprovado a existência de uma classe dominante, que utilizando meios burocráticos (e a força física, traduzida pela PM), infringiu a legalidade, a fim de privilegiar-se em detrimentos da classe menos favorecida. A realidade portanto, para Marx, só poderia ser compreendida pela condição material, o que mostrou-se contundente no desfecho do caso.
A locução “meios burocráticos” faz jus aos acontecimentos decorrentes da atuação do sistema judiciário no caso. Muitas leis foram ignoradas, algumas transgredidas, uma questão hierárquica foi posta. A juíza, juízes, o desembargador e a Defensoria Pública, tiveram meios para decidir o caso com real senso de justiça, imparcialidade. Isso porque, o Estado possui os elementos favoráveis e desfavoráveis para julgar ambas as partes. A legislação é justa, defende a propriedade privada, mas também o direito à moradia, a proteção aos Direitos Humanos, reguarda a Dignidade da Pessoa Humana, e proíbe atos de tamanha violência como vistos no massacre. Nesse ínterim, acordos poderiam ter sido feitos e maiores diálogos empreendidos, a situação poderia ter sido melhor administrada, não fosse a ganância e o interesse de classe que acabou engendrando as decisões em detrimentos das legislações, do direito.
Conseguinte a isso, a dialética hegeliana pode ser explorada. Para Hegel, o Estado Moderno constituiria o ápice racional das nações. O direito, e não a força, mediaria as relações sociais. A liberdade seria a lei; em suas palavras: sinal de evolução. Considerando a Constituição brasileira, como uma das mais a frente de seu tempo, estaria, portanto, cumprindo com os preceitos previstos por Hegel. Remetendo, assim, ao caso Pinheirinho, o direito, para Hegel, poderia ter sido a postura correta para a solução do litígio, visto a qualidade de todos como sujeitos de direito. O que comprova a instabilidade, como resultante exclusiva do manejo dessas leis, por pessoas que deixaram de aplicá-las em favor da vontade particular. Esse é o outro lado da moeda e tem seu “valor” moral apagado.


Ana Flávia Toller – Sociologia do Direito – Aula 1 – Marx e Hegel (O direito como instrumento de dominação político-social)

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