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quarta-feira, 6 de maio de 2015

As heranças do cartesianismo

A instrumentalização da ciência, a ávida busca do lucro e o rompimento com a consciência coletiva
                                                                                                                                                         
            Certamente, René Descartes possuia boas intenções ao propor, no século XVIII, o inovador método científico que compreendia a aplicação prática da razão - a função da ciência deixaria de limitar-se ao estudo dos fenômenos e passaria a possibilitar o controle da natureza por parte dos homens. O quê de mais maravilhoso poderia acontecer na evolução da classe burguesa industrial senão isso? De fato, os adventos da introdução do método cartesiano de se fazer ciência foram de suma importância na construção da sociedade como a conhecemos hoje - da medicina à engenharia, o homem quase não encontra mais limites biológicos ou terrenos para expandir suas fronteiras; sejam elas físicas ou sociais.
            No entanto, a oportunidade de dominação da natureza em amplos níveis por parte da elite agrária e industrial também inaugurou uma forte problemática: a exploração abusiva dos recursos naturais, aliada ao rápido avanço tecno-científico, viabilizou a produção em larga escala de mercadorias e, por conseguinte, o aprimoramento do sistema de acúmulo de riquezas. De uma perspectiva marxista; o trabalho, antes exercido por necessidade de sobrevivência, passa a ter como finalidade última o lucro daqueles que empregam, baseado na exploração também abusiva do trabalhador, denominada mais-valia. Dominar a natureza passa a ser, desta forma, deter os meios de produção e submeter as forças produtivas.
            Compreendendo a investigação científica como um trabalho e o cientista como o trabalhador, conclui-se que a instrumentalização da ciência, portanto, também implica na instrumentalização do próprio cientista. O filme Ponto de Mutação, baseado no livro homônimo de Fritjof Capra, aborda justamente esse fenômeno através da demonstração de que, na contemporaneidade, o investimento em pesquisa científica é orientado pelos interesses da elite política global; expresso no dilema enfrentado pela personagem Sonia, uma física que abandona os laboratórios após descobrir que sua pesquisa com lasers estava sendo aplicada na construção de ferramentas de guerra. A cientista pretendia que suas descobertas pudessem ser empregadas na busca pela cura de células cancerígenas e, após a frustação, passa a contestar a limitação do método cartesiano e propor sua superação, de forma a romper com a perspectiva mecanizadora da natureza, das relações sociais e do próprio homem.
            Assim faz-se aqui a reflexão de como a ciência moderna e suas aplicações  representam uma efetiva quebra com a noção de consciência coletiva - o subjugo da pesquisa aos interesses internacionais delineiam claramente essa inversão de valores. O investimento científico visando o bem coletivo é dispensado em benefício da criação e aprimoramento de cada vez mais agressivos métodos de dominação cultural, econômica e política. Reforça-se o aspecto predatório da ciência quando se observa que, após obter os meios de dominar a natureza, o homem usa desta para dominar a seus semelhantes e estabelecer o controle hegemônico da sociedade no intuito de manter o funcionamento do sistema capitalista em seu favor. Prejudica-se assim tanto o espaço social, no que se refere ao aprofundamento da desigualdade entre as classes, quanto o natural, referente aos danos à natureza propriamente dita.
            A obra cinematográfica de Capra, então, contrapõe a visão mecanicista cartesiana de mundo à perspectiva “orgânica” que propõe a superação da primeira; através do diálago entre a personagem da cientista Sonia Hoffman e do político Jack Edwards. Para romper com o método falho de orquestramento político-científico, mostra-se necessário abandonar a compreensão do mundo e do homem como uma máquina composta de engrenagens e instrumentos que podem ser removidos e controlados, e passar a vê-los como um organismo vivo, composto de aspectos interdependentes - tudo está relacionado, do nível subatômico das partículas ao macrossocial das relações de poder, como órgãos que, para seu pleno funcionamento, devem colaborar entre si em mutualidade.
            Fica, então, a conclusão de que, embora a ciência possa ser um instrumento fantástico, limitá-la a um instrumento de dominação é extremamente nocivo e privador - a sociedade evoluiria muito mais caso o interesse científico se libertasse do mundo privado, sustentado pelo sistema capitalista de produção, e pudesse exercer suas aplicações em plenitude, alcançando e satisfazendo as necessidades de todos os homens.

                                                                                               Gabriella Di Piero
                                                                                               1º ano de Direito (diurno)
                                                                                               Introdução à Sociologia

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