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domingo, 19 de abril de 2015

                Seu Manuel e a reflexão cartesiana sobre o fim de sua importância social
      

     Sentado em sua cadeira de balanço, encarando uma cumbuca com algo que lembrava um mingau de aveia, seu Manuel reflete sobre como a realidade de um velho viúvo habitante de um asilo em São Paulo é deprimente e sem importância. No alto de seus oitenta e cinco anos, seu Manuel se sente ultrapassado, inútil, desvalorizado: sua experiência de nada mais serve.
      Hoje em dia esse é um cenário muito comum. Vivemos em uma sociedade em que o conhecimento é atualizado diariamente e o conhecimento prévio perde rapidamente seu valor e acaba descartado. O que acontece com os idosos parece ilustrar essa maneira de pensar: eles perdem sua importância como transmissores de conhecimento e passam a ser considerados um fardo para a família, alguém cuja opinião não tem mais relevância. Por isso, tantas vezes, acabam impiedosamente esquecidos em asilos, onde têm todo tempo para sofrer com a perda de suas funções dentro de uma sociedade tão frenética com relação à evolução do saber.
      Pode-se remeter à origem dessa característica pós-moderna ao pensamento Cartesiano e sua incessante busca pela verdade. Em suas especulações, Descartes defende o uso imperial da razão para se chegar à verdade, lançando ao mundo uma prerrogativa que perdura até os dias de hoje: "nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele". (Descartes, O Discurso do Método, p.49). Tal prerrogativa é vastamente utilizada pela ciência moderna, em que a única forma de se demonstrar a validade de um conhecimento é através da razão. 
      Diante disso, qualquer experiência empírica corroborada predominantemente pelos sentidos, deve ser descartada, já que é muito provavelmente enganosa: "a nossa imaginação ou nossos sentidos jamais poderiam garantir-nos coisa alguma, se o nosso juízo não intervisse" (Descartes, op.cit., p.22). É neste contexto que entendemos que as experiências vividas pelos mais velhos acabam perdendo seu valor, já que elas são fundamentalmente baseadas em acontecimentos e emoções vividos por eles; são, segundo o pensamento cartesiano, enganosas, não confiáveis e, portanto, facilmente atualizáveis e esquecíveis.
      Desiludido por saber que já não tem mais o tempo necessário para demonstrar suas opiniões e o quanto a forma de conduzir sua vida e sua razão podem ser válidas, a única coisa que resta a seu Manuel é se lamentar e tomar seu suposto mingau de aveia.
         

                                                  Tiago de Oliveira Macedo, 1º ano - Direito diurno - aula 2

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