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sábado, 7 de março de 2015

O pensamento de Pierre Bourdieu pode ser sintetizado em uma perspectiva da realidade como hipercomplexa. Dessa maneira, não existiria um tema que possuísse uma maior importância, sendo todos complementares, mas ao mesmo tempo concorrentes entre si. Cada “campo” seria um sistema com uma dinâmica de contradições próprias inserido na sociedade capitalista. Assim, o campo econômico, jurídico, político, psicológico, antropológico, sociológico, filosófico, entre tantos outros, se mostrariam repletos de conflitos que desse modo definiriam a própria sociedade. Além disso, cada campo possuiria um vocabulário e um conjunto de habitus próprios, o que significaria determinadas disposições pertencentes e incorporadas ao indivíduo a partir de sua conduta individual e de relações sociais.
Com tal teoria, Bourdieu buscou definir o Direito como uma ciência, mas ao contrário de Hans Kelsen – que acreditava que a ciência jurídica não poderia e nem deveria ser maculada por outras ciências – tomou como imprescindível que tais influências ocorressem. Apesar dessas interferências e de possuir pessoas com diferentes habitus, o campo jurídico possuiria uma certa autonomia relativa para se estabelecer e afirmar suas próprias convicções. Contrário também aos preceitos de instrumentalismo (onde o Direito estaria à serviço das classes dominantes) e de formalismo (autonomia do Direito diante das pressões sociais), Bourdieu afirmou a lógica dupla da ciência jurídica, que possuiria relações de forças específicas que encaminham as lutas de concorrência somadas à uma lógica interna de obras que delimitam as soluções jurídicas. 
Dessa maneira, o Direito impõe uma necessidade lógica e ao mesmo tempo ética. É nesse contexto de entendimento de que o Direito não é absolutamente independente de outras forças externas que pode se encaixar a discussão acerca do aborto de anencéfalos. Por tanger campos para além do jurídico, como o biológico, o religioso por se tratar de uma vida e até mesmo o psicológico pela preocupação com o interior da mulher, a ADPF nº 54 tematizou o aborto de anencéfalos como um descumprimento a preceito fundamental e buscando a criminalização do mesmo tópico. A argumentação se moveu por pontos bastante distintos, passando pela laicidade do Estado e pela fundamentação científica de que as chances de sobrevivência do feto anencéfalo fora do útero são nulas, além de poder causar um transtorno psicológico e também consequências físicas na mulher que poderiam nunca mais ser revertidas. Apesar da ADPF ter sido desconsiderada e improcedente, diversos temas ficaram de fora da discussão, como a liberdade e autonomia da mulher para com seu corpo e sexualidade. A temática religiosa mais uma vez ficou em destaque, demonstrando como ainda as decisões jurídicas são marcadas por uma religiosidade e conservadorismo extremos, mesmo o Brasil sendo um Estado laico.

Vitória Schincariol Andrade
Turma XXXI - noturno 

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