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domingo, 8 de março de 2015

ADPF 54: inovação jurídica conforme as estruturas do próprio campo jurídico

Ao ler o texto de Bourdieu, “A Força do Direito: Elementos para uma Sociologia do Campo Jurídico”, percebe-se que o objetivo fundamental da obra é tratar de dois aspectos do Direito, para ele, essenciais e também conflitantes entre si: o instrumentalismo e o formalismo, sendo que o campo jurídico é relativizado por essas duas forças simbólicas. Esse conflito exemplifica a concorrência existente no Direito quanto à garantia do monopólio sobre o próprio campo jurídico.
            Além disso, Bourdieu, considera uma ilusão o fato de se levar em consideração o Direito isoladamente de outras forças externas a ele. Tal ilusão faz com que o Direito tente se distinguir até no âmbito da linguagem, utilizando tal recurso para evitar a não atribuição de ideologias, já que o campo jurídico não possui espaço para elas, trabalhando somente no âmbito do que é realmente possível. A linguagem é tão fundamental que influencia também a racionalização do campo jurídico, gerando neutralização e universalização dentro do campo.
            Bourdieu aproxima-se de Marx no que diz respeito ao Direito como peça fundamental para a classe dominantes, dizendo que é muito pouco provável que as decisões no campo jurídico desfavoreçam as classes consideradas dominantes.
            Estudando o caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF) relativa ao aborto de fetos anencéfalos, pode-se dizer que o seu veredicto permitindo a sua realização sem ser tipificado como infração penal representou o resultado da luta simbólica entre duas forças: a jurídica e a científica. Tal decisão cria um novo direito através de uma nova prática, porém sem sair do espaço estrutural do que é possível ou não, até porque, sem isso, mesmo com a parcela de autonomia dos juízes para a tomada de decisões, a prática não consegue se fortalecer se não tiver respaldo dentro das próprias estruturas jurídicas.
            Nesse caso, o Direito exprimiu uma certeza que já era conhecida da área médica: os anencéfalos não conseguem sobreviver fora do útero da mulher, e por isso, não possuem vida, não sendo ilegal seu aborto, pois não há violação de direitos quando um feto não possui vida propriamente dita. A diferença é que o Direito é dotado de legitimidade ética para determinar tal situação, característica que a Medicina não possuiu para sozinha realizar essa determinação, que é uma vitória por ser considerada uma inovação jurídica.

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