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sexta-feira, 6 de março de 2015

A batalha no campo judiciário e os detentores de capital jurídico

            Bourdieu faz uma interpretação do campo jurídico a partir da ideia de campus: a sociedade se mantém como algo dinâmico através da ininterrupta luta simbólica entre os campus. Estes são o campo cultural, jurídico, político, etc, e que apesar de manterem certa autonomia um em relação ao outro, conseguem forjar uma dinâmica normativa e engendrar uma luta simbólica na qual buscam a consolidação da sua própria hegemonia. Da “Força do Direito”, conclui-se que o campo jurídico engendra a vida social pois é ele que estabelece as bases pelas quais essa vai operar, assim como também é feito por ela.
            Evita-se a ideia do formalismo e do instrumentalismo do direito, de forma que esse não é uma força integralmente autônoma diante das influências externas, assim como não é um instrumento a serviço da classe dominante. A racionalização do direito envolve a ideia de transformação da regularidade, que seria o que se faz regularmente, em regra, ou seja, aquilo que se deve fazer. Esse fato impõe uma falsa ideia da realidade, na qual todas as práticas consideradas “diferentes” passam a ser consideradas desviantes. Assim, o estilo de vida simbolicamente dominante é favorecido constantemente, e é dessa transformação que advém a força do direito. Este é um instrumento de transformação das relações sociais.
            Dentro do próprio campo jurídico há uma concorrência, uma luta simbólica na qual os agentes capacitados lutam para impor sua hegemonia. Os magistrados orientam o direito no sentido de uma adaptação casuística, enquanto os juristas buscam uma elaboração teórica da doutrina que enuncie o dever ser cientificamente. Bourdieu já defende a ideia da valorização do capital dentro de um campo: quanto maior o acúmulo de capital, maior o poder simbólico. Vale ressaltar que o antagonismo entre juristas e magistrados, detentores de espécies diferentes de capital jurídico, não exclui a complementaridade das suas funções.
            Assim, as batalhas entre esses detentores de diferentes capitas jurídicos se trava no campo judiciário, e é o que se verifica no caso do aborto de anencéfalos. Os juristas estabelecem algo e cabe aos magistrados a interpretação para a adaptação ao caso concreto. A interpretação do corpo doutrinário opera a historicização das normas, ou seja, adapta as fontes às circunstâncias novas. No momento que o judiciário autoriza a interrupção da gestação de fetos anencéfalos está exercendo seu poder simbólico. Este seu veredicto é produto da luta simbólica travada e adquire assim eficácia simbólica.
            Entretanto, vale ressaltar que esse veredicto, por mais que represente uma certa autonomia do judiciário, ainda se insere no “espaço dos possíveis”. As obras jurídicas estabelecem esse espaço e assim delimitam a ação de interpretação dos magistrados, de modo que esses só podem agir dentro de certos limites. É por isso que se diz que o judiciário possui uma autonomia relativa, pois apesar desses veredictos representarem “criações”, devem se enquadrar no âmbito de determinadas estruturas para que sejam aceitas na sociedade e assim proliferem.

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