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domingo, 15 de fevereiro de 2015

O "quadrado" Kelsiniano do judiciário

Como bem o fora exposto no texto do professor Luis Roberto Barroso, houve uma crescente participação do poder judiciário na esfera institucional do país. Disso decorre o que o professor chama de “fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo”.Este é o ponto ao qual gostaria de ater algumas reflexões. Para tal, devo elucidar alguns pontos da teoria de Kelsen, que tratam a respeito da interpretação do direito e da discricionariedade do juiz para fazê-lo.
A priori, partamos de uma breve definição de discricionário: ”poder exercido com certa liberdade de decisão face às situações concretas que não se encontram regulamentadas de modo a satisfazer o interesse público da melhor forma.” Nessa perspectiva, Kelsen, em sua obra, “Teoria pura do direito”, versou sobre a discricionariedade do judiciário na interpretação de normas. Para Kelsen, há dois tipos de interpretação, uma não autentica e outra autentica. Segundo ele, a interpretação não autentica dá-se a partir da abertura semântica dos textos legislativos em que, para uma mesma disposição, surge uma multiplicidade de normas, dentro dos limites delineados pelo que o autor chama de moldura da norma, ou seja, o conjunto de sentidos possíveis da norma jurídica. Em curtas linhas, consiste nada mais do que uma extensão da hermenêutica normativa. Cumpre ao direito, portanto, traçar essa moldura, não lhe cabendo optar por um ou outro sentido o que o levaria a fugir da seara cientifica jurídica e adentrar nos confins da política e da sociologia. Alem da sua não autenticidade, sob o ponto de vista de Kelsen, essa interpretação é não vinculante, ou seja, fora de parâmetros legais. Por outro lado, a interpretação autêntica refere-se aquela realizada pelo legislador e pelos órgãos judiciais no momento efetivo da produção normativa. Trata-se da única interpretação vinculante em que a escolha de uma ou outra norma dentro da moldura ofertada pelo texto é, para Kelsen, ato puramente voluntarista, e a ciência do Direito não pode se ocupar da individualização normativa, cumprindo-lhe, apenas, delinear essa moldura dentro da qual escolherá discricionariamente o legislador e o juiz.

Nessa perspectiva, Kelsen delineia um dos princípios básicos da minha defesa acerca do ativismo judicial. A legitimidade do juiz para escolher, dentro dos parâmetros normativos disponíveis, normas que existam e que dêem respostas positivas à demandas concretas da sociedade. Não se trata aqui de uma sublimação hermenêutica do direito de modo irresponsável, ou meramente ideológico, em que o legislador tenha versado a palavra “carneiro” e o juiz a partir de divagações semânticas chegue a entender aquilo como “macarronada”. O problema de argumentações em defesa do ativismo judicial como uma mera expressão de uma hermenêutica entendida em favor de  causas sociais é a de que tal fato conferiria aos juízes poderes quase que ilimitados; e estaríamos relativizando princípios fundamentais do direito como a isonomia tido que julgamentos tenderiam à responder anseios políticos, ideológicos e particulares dos próprios magistrados, que funcionalizariam o direito a seu bel prazer.  Esse seria o caso da interpretação ilegítima apresentada por Kelsen, e aqui consistem os riscos reais à manutenção da legitimidade democrática. Na verdade, uma das propriedades fundamentais do ordenamento jurídico é a sua completude, que o leva a dispor de regulamentação para todo e qualquer caso, por mais absurdo que seja; e mesmo quando não o faz de maneira expressa, temos à disposição os remédios da jurisprudência, da analogia e dos costumes. Nesse sentido, não cabe ao judiciário o impedimento de atuação dentro da seara normativa; esse espaço lhe é previamente destinado e previamente delimitado pelo direito. Magistrados teriam total legitimidade de atuação dentro da norma; e estritamente por meio da norma; usando a expressão vulgar de “dentro dos seus quadrados”.

Roberto Renan Belozo - 1° direito noturno 

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