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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Igualdade na letra, desigualdade factual


Em “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”, Luíz Roberto Barroso interpreta a Judicialização, enquanto prática decisória do Poder Judiciário sobre estigmas abarcados pelos poderes Legislativo e Executivo; e o conceito de Ativismo Jurídico, que nos remete à interpretação constitucional extensiva, de modo a preencher lapsos dos demais poderes sobre dadas questões e proporcionar que princípios fundamentais alcancem o caso concreto. A crescente atuação do STF por essas duas vertentes pode ser verificada em casos como o casamento homoafetivo, o aborto de anencéfalos, o direito à saúde e, não diferente, as cotas raciais. 
Em manifesta objeção à política de cotas raciais, ação afirmativa aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidente, o partido Democratas apresentou a ADPF 186 - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental -, estendendo a questão ao âmbito judiciário. Invocando citação notoriamente descontextualizada de Martin Luther King - que nos leva a crer, veja só, que o líder do movimento negro seria contrário à política de reparo social que garante espaço a negros no Ensino Superior -, a Arguição segue alegando a violação de uma série de artigos da Constituição, que versam sobre desigualdade de tratamento, discriminação racial, proporcionalidade e igualdade de condição de acesso ao ensino. 
Esqueceu-se, todavia, que o "acesso ao ensino segundo a capacidade de cada um" (fl. 3) abarca instrumentos e condições materiais necessários à construção da "capacidade", que no contexto brasileiro são, no mínimo, discrepantes. Esqueceu-se que não há espaço para igualdade material no ambiente meritocrata de onde, historicamente, os negros estão fora. Alegar que, pelo princípio de defesa das minorias, deve-se instituir também cotas para "obesos, baixos e carecas" (fl. 28) é um desprezo ao histórico de marginalização negra, opressão e luta por reconhecimento e equidade. Esqueceu-se propositalmente, porque expresso no texto, da diferença entre raças: bradar que "raças não existem" não diminui as diferenças práticas, nem mitiga o preconceito cotidiano. 
Nesse sentido, a judicialização da questão, bem como o implemento do ativismo judiciário por parte do STF, ao invocar princípios e normas gerais e direitos fundamentais, foi ao encontro da proposta dos demais Poderes, entendendo que disciplinas jurídicas distintas devem ser ajustadas - e servir de ajuste - às desigualdades fáticas existentes.

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