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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

As Cotas, o Ativismo Judicial e a Doença

        O aumento do número de questões polêmicas decididas pelo Supremo Tribunal Federal suscitou um importante debate sobre os limites do Poder Judiciário e seu papel num Estado Democrático de Direito. Questiona-se, há legitimidade democrática nas decisões dos tribunais quando há Judicialização da Política? O caso das cotas raciais da ADPF 186 encaminhada pelo Partido Democratas é um exemplo de judicialização, seria também de ativismo judicial? O Ativismo Judicial é legitimamente democrático?
Para responder a essas questões, é necessário entender o que significam os termos acima referidos. A lição do Ministro do STF, Luis Roberto Barroso, define como judicialização o fenômeno que ocorre quando "algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo". Há uma transferência de poder político. A legalidade da judicialização está prevista na Constituição porque esta estabelece que o STF é o Guardião da Constituição. No debate entre Kelsen e Carl Schmitt para decidir se o Controle de Constitucionalidade seria a melhor forma de fazer prevalecer o interesse democrático, Shmitt argumentava contra o mecanismo por acreditar que levaria à politização da justiça. A visão kelseniana prevaleceu de forma bem sucedida mundialmente. 
Com a redemocratização, a cidadania foi reavivada assim como as demandas populares. "O Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros poderes". Vale lembrar que nosso modelo de Controle de Constitucionalidade empresta técnicas e estratégias europeias e americanas que permitiram a referida evolução. A fórmula americana, de controle incidental e difuso, permite que qualquer juiz ou tribunal deixe de aplicar uma lei em algum caso concreto de sua competência caso a considere inconstitucional. Já o modelo europeu, de controle por ação direta, permite que determinadas matérias sejam levadas ao STF de forma imediata. Além disso, o art. 103 prevê o direito de propositura amplo de ações diretas por inúmeros órgãos, públicos ou privados. Na prática, a conjuntura destes fatores significa a reavivação da cidadania e o aumento da demanda por respostas rápidas dos tribunais para questões em que há inércia, descaso ou reação negativa do poder legislativo e/ou executivo. 
Portanto, a judicialização da política ocorre de forma legal (prevista na Constituição) e legítima. A legitimidade se deve ao fato de que os tribunais foram investidos de poder e competência pela Constituição que foi votada pelos representantes eleitos democraticamente. Os ministros do STF são fruto de indicação pelo Presidente da República, logo gozam de legitimidade advinda indiretamente por milhões de brasileiros. Ressalta-se, porém, o dever de se aterem à Constituição, apesar da discricionariedade, mesmo limitada, que possuem para interpretá-la e decidir. Barroso assinala: o STF é provocado a se manifestar e o faz nos limites dos pedidos formulados. A judicialização não é escolha do tribunal, é seu dever analisar o mérito da questão. 
Por outro lado, um fenômeno recorrente, contudo mais controverso, é o do ativismo judicial.  Este se revela como um modo proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, uma participação mais ampla e intensa do Judiciário para atingir garantias e valores constitucionais. Essa postura interfere nas atribuições de outros poderes, daí advém sua maior crítica. Ao impor condutas e abstenções ao poder público e aplicar diretamente a Constituição a situações não expressas explicitamente nesta pelo legislador ordinário, o juiz ou tribunal agiria de forma antidemocrática. A justificativa para o ativismo judicial reside na crise de representatividade do Executivo e principalmente do Legislativo brasileiro, ineficientes para minorias. Há demandas decorrentes de transformações sociais recentes não tratadas ou rejeitadas pelo poder público. Destarte, a judicialização política se torna a alternativa necessária para a efetivação de direitos humanos e garantias previstos na Constituição e de outras questões polêmicas. 
Aos críticos do ativismo judicial rebatem-se os argumentos através dos mesmos utilizados para justificar a judicialização. Claro, há limites para o judiciário, porém, como o papel do Supremo, como intérprete final da Constituição, é "velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios, não de política", a "jurisdição constitucional bem exercida é antes uma garantia para a democracia do que um risco". 
O caso das cotas raciais pode ser considerado um exemplo de ativismo judicial. Não porque o julgamento da ADPF 186/DF represente o estabelecimento de cotas, afinal, apenas confirma sua constitucionalidade, mas por reafirmar a postura do Judiciário em prol de políticas públicas  afirmativas, interpretando os princípios constitucionais para além da igualdade formal. Papel que seria do legislativo, que o fez, porém coube ao Judiciário garantir sua constitucionalidade. 
No entanto, as cotas raciais não são solução definitiva. Assim como o ativismo judicial também demonstra uma possível insuficiência institucional quanto ao controle do próprio STF, além de uma grave deficiência do executivo e do legislativo em cumprirem seus papeis de representantes democráticos. O fortalecimento da judicialização política e do ativismo judicial são sintomas de uma doença; demonstram a necessidade dos governantes e legisladores reverem seus conceitos. E de como pretendem realizar a reforma política.  

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. 

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