Total de visualizações de página (desde out/2009)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Para além da manutenção do status quo.

  Boaventura realiza um importante questionamento em sua obra, "Pode o direito ser um instrumento de emancipação social?", tal tipo de questionamento vem com o que ele denomina "transição epocal", porque o direito, que até então, vinha como instrumento hegemônico por excelência, cuja função primeira era a de impedir a emancipação social e manter a ordem, o status quo, passa a ser pensado como forma de transformar a realidade social.
  Por adição, nesse período de transição, em que novos problemas, novas demandas vem surgindo e os instrumentos utilizados até então não se mostram mais suficientes, Boaventura vem propor uma nova forma de pensar o direito, como uma legalidade que ultrapassa uma legalidade estreita e monolítica, e seja uma legalidade cosmopolita, que traga toda uma nova perspectiva, reconhecendo o que é diferente, os diversos valores, saberes e que busca conhecer e interpretar as realidades sociais em toda a diversidade e complexidade da sociedade e anexar as pluralidades.
  Ao analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal no Acórdão me veio logo à mente a questão da legalidade cosmopolita abordada por Boaventura, pois os ministros não realizam uma análise do caso colocando de lado os excluídos, como se o racismo não existisse na sociedade ou fosse algo sem solução, ao contrário, eles não fecham os olhos à realidade, e a interpretam em toda a sua complexidade para poder pensar o direito numa perspectiva transformadora.
  E levando em conta  as necessidades e exigências da sociedade, eles não decidem seus votos pensando em manter a ordem e o modelo hegemônico, no qual há uma esmagadora maioria branca nos corredores e bancos das universidades, mas sim buscando um modelo contra-hegemônico, lutando pela participação dos diversos elementos que compõem a sociedade brasileira, para que possa haver uma heterogeneidade.
  Por adição, nessa luta contra a homogeneidade, o direito assume papel de destaque no enfrentamento dos preconceitos, como arma de combate contra a opressão e dominação. Sendo utilizado como instrumento contra-hegemônico, ao lado de políticas públicas (como o desenvolvimento de um ensino de qualidade das escolas públicas, pois ao defender as cotas em nenhum momento estou negando o problema do ensino, porém é algo que levaria anos e não se pode mais ficar de braços cruzados, as demandas estão aí, há uma tensão a todo momento exigindo que o direito se manifeste), para a concretização de mudanças sociais. Prova disso é que em todo o acórdão os ministros fazem uso das leis para afirmar as cotas, citam que nos arts. 215 e 216 da Constituição Federal, é reconhecido e protegido, expressamente, o caráter plural da sociedade recuperando o espaço ontológico da diferença, no sentido de como o Direito está relacionado ao ser humano. E muitos outros artigos que compreendem nossa Constituição, como o art 3°. 
  Dessa forma entendo que no caso do racismo o direito vem sendo um importante instrumento de emancipação, que é a luta das minorias pelos seus direitos de igualdade ou pelos seus direitos políticos enquanto cidadãos, luta pela libertação dos preconceitos e opressão ainda existentes na sociedade. 
  Focando na questão das cotas raciais, tem-se uma importante ação afirmativa de combate ao racismo e seus efeitos na sociedade, ao promover o desenvolvimento de um ambiente plural, diversificado, consciente e tolerante às diferenças democráticas, ao conceder espaço para participação das minorias e dar esperança para aqueles que não possuíam nenhuma expectativa de fazer parte do sistema universitário, e fazer com que no futuro, coisas que eles nem esperavam se tornem vivência social propriamente dita. Porém muitos veem a implantação de tal política como uma forma de racismo, estabelecendo uma espécie de apartheid, contudo, ao meu ver é justamente o contrário, pois tal ação visa por fim à situação das universidades que são altamente segregadas. 
  Por adição, afirmam que o vestibular deve ser algo "justo", com igualdade para todos, e o que for melhor conseguirá a vaga, já que supostamente se esforçou mais que os outros, usando como exemplo homens que constituem raras exceções, como Joaquim Barbosa, um em quantos milhões de negros que existem no Brasil? Porém, convenientemente, se esquecem que sendo a maioria da população negra pobre, não possuem as mesmas oportunidades de estudo, muitas vezes precisam trabalhar ao mesmo tempo, ou seja, não há uma disputa de igual para igual para a realização da prova, então nesse caso a igualdade exigida só gera desigualdade, por isso não se pode tratar da mesma forma no momento do vestibular se anteriormente só foram tratados de forma desigual.
  Além disso, é essencial ressaltar, para quem argumenta que não existe apenas pobres negros, que a intenção do estabelecimento das cotas raciais é o combate ao preconceito racial e não à pobreza, buscando reverter o quadro histórico  de desigualdade racial e democratizar o ensino superior, o que ocorrerá quando forem eliminadas todas as restrições ao acesso de certas categorias sociais à universidade. O ponto desse argumento, é que nesse mundo capitalista em que estamos inseridos, as pessoas não conseguem dissociar o capital de todo o resto (ponto abordado por Boaventura, sobre o fascismo financeiro, um valor, que é o econômico, está servindo de medida para todas as relações sociais), desse modo acabam saindo da questão do racismo e entrando no ponto sócio-econômico, que como já foi dito, não é o objetivos das cotas RACIAIS.
 



Karen Yumi Saito - 1° Direito Noturno

Nenhum comentário:

Postar um comentário