Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Direito e a Emancipação Social

            Boaventura de Sousa Santos é um grande sociólogo da atualidade, doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, diretor do Centro de Estudos Sociais e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa - ambos da Universidade de Coimbra, além de fundador e diretor do Centro de documentação 25 de Abril entre 1985 e 2011. Em sua carreira e obras Boaventura, a exemplo do capítulo “Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada” (1980) e do artigo “Poderá o direito ser emancipatório?” (2003), demonstra grande interesse e preocupação social, buscando estudar e analisar os excluídos e o papel que o direito tem, e o que ele deveria ter, em suas vidas.
            Assim, no artigo “Poderá o direito ser emancipatório?”, Boaventura analisa a sociedade atual, observando que “enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas”, vivemos então, um momento de transição paradigmática, de modo que precisamos pensar soluções adequadas à realidade. Isso deve-se à emergência do neoliberalismo, que visa, através do conservadorismo, desmantelar os avanços sociais, valorizando de forma extremada o econômico (retomando os preceitos da acumulação primitiva), o que gera a crise do Contrato Social levando a um novo Estado de Natureza, caracterizado pelo risco iminente. Portanto, a estabilidade econômica passa a ter como condição a instabilidade social, assim aumentam os processos de exclusão, visto que não há medidas que visem incluir os que já eram excluídos e além destes, surgem novos excluídos, devido a extrema desigualdade social e a valorização dos contratos e relações do capital.
            Formamos então, uma sociedade baseada no Fascismo Social, que engloba a segregação (zonas civilizadas x zonas selvagens), o fascismo contratual (hipertrofia dos contratos, a vida social se torna uma teia de contratos, baseada no consumo), o domínio dos espaços por aqueles que detém maior poder financeiro (a exemplo de espaços que eram considerados ‘públicos’, ou ao menos, de livre circulação e que vêm sendo requisitados por seus proprietários, para impedir a entrada de pessoas das classes populares – evidente nos rolezinhos), a perspectiva do perigo iminente (colocando em pauta a segurança e toda a positividade que a privatização deve trazer) e o mercado financeiro (agências definem as condições de inclusão dos Estados na economia global, é um dos tipos de fascismo mais gritante já que envolve a questão econômica, tão prestigiada contemporaneamente).
            Torna-se evidente, apesar das inúmeras e aparentemente crescentes dificuldades, a imprescindibilidade da emancipação social, o que leva a indagação do papel e da importância do Direito nesta transformação. Boaventura defende para tal um direito alternativo, baseado na legalidade cosmopolita subalterna, que vise uma globalização contra-hegemônica, reduzindo as desigualdades sociais e incorporando os excluídos na sociedade civil, garantindo-lhes direitos, cidadania e uma vida digna. Usa como grande exemplo o Movimento Zapatista no México, que propõe uma inclusão que respeite os diferentes valores culturais.
            A proposição de novas soluções e de um direito alternativo, que vise a emancipação e a transformação social, são visíveis e cada vez mais recorrentes. O caso das cotas implantadas na Unb, destinando 20% do total de vagas para candidatos negros, em 2009, representa bem essa busca pela justiça social. Porém, assim como Boaventura observa, há também o crescimento do conservadorismo e a tentativa de manter a ordem atual, o que é evidenciado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com pedido de suspensão liminar da eficácia dos atos do Poder Público feita pelo Partido Democratas (DEM), alegando inconstitucionalidade dos atos que implantaram o sistema de cotas. Para tanto diz basear-se nos princípios constitucionais: republicano, dignidade da pessoa humana, repúdio ao racismo, igualdade, legalidade, devido processo legal, vedação do preconceito e da discriminação dentre outros. Alegando que defende a necessidade de medidas afirmativas no Brasil e que não pretende discutir sobre racismo, preconceito e discriminação, o DEM questiona se o Racismo Institucionalizado seria adequado para o Brasil, construindo de fato uma sociedade justa, igual e solidária. Conclui que não, que o modelo de cotas foi apenas uma implantação de um modelo estadunidense sem levar em conta as diferenças histórias entre os países, defende que “no Brasil ninguém é excluído pelo fato de ser negro”, de modo que o grande problema no Brasil é a desigualdade social, portanto a pobreza e as cotas ao invés de solucionar, iriam apenas mascarar e até mesmo agravar o problema. Além disso, questionam o Tribunal Racial da Unb que supostamente teria a função de identificar quem é negro e quem não é, alegam que o Brasil é caracterizado pela miscigenação e que seria extremamente difícil apontar a que raça cada um pertence. Portanto, essa medida acabaria por criar o racismo, o preconceito.
            A arguição é julgada totalmente improcedente, baseando-se no princípio da igualdade material e na Justiça Social que são objetivados com a implementação das cotas. É importante notar que no Brasil o racismo é uma questão cultural, que vem desde o tratamento desumano dado aos negros na época da escravidão, a segregação social sofrida por eles e que infelizmente não se alterou com a abolição da escravatura, devido em grande parte à inércia do Estado, que não implementou políticas visando a integração do negro liberto, de modo que mesmo livre, ele se manteve à margem da sociedade. Ao analisarmos as classes mais pobres do Brasil na atualidade, observamos que nem mesmo hoje essa situação sofreu grandes mudanças, os negros e pardos encontram-se majoritariamente nestas classes mesmo representando mais da metade da população brasileira (53% segundo a Pnad 2013).
            Apesar de não resolver todo o problema e ser muitas vezes mal vista, as cotas (como medida reparatória temporária) são uma solução do direito válida e de extrema importância, que dá a oportunidade a essa camada da população, geralmente excluída, de ingressar em um ensino superior de qualidade e assim ter grandes chances de melhorar sua situação socioeconômica, alterando a característica elitista e branca das universidades públicas e do mercado de trabalho. Acaba também por gerar a reconciliação e a convivência entre brancos e negros, buscando a aceitação e o respeito às diferenças, uma forma de justiça reparadora, que apesar de não ser o ideal para o cosmopolitismo, já é um grande passo, para que aos poucos caminhemos à tão sonhada convivialidade, que seria a reconciliação voltada para o futuro, onde os “agravos do passado são resolvidos de maneira a viabilizar sociabilidades alicerçadas em trocas tendencialmente iguais e na autoridade compartilhada.”
            Desta forma, o Direito, aliado à educação (visto que há uma necessidade gritante de melhorar a qualidade do ensino público brasileiro), pode e deve ser emancipatório, para que atue cada vez mais na transformação e melhoria da sociedade, defendendo e garantindo direitos e a inclusão dos excluídos, promovendo a Justiça Social e a igualdade formal e material.


Vitória Vieira Guidi – 1º ano Direito Diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário