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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Emancipar para Compreender, Compreender para Solucionar

    Ao analisarmos o quadro universitário do Brasil, seja por parcela de primeiro-anistas, seja ainda mais por número de alunos que de fato obtêm o diploma, encontramos uma curiosa – e, nem por isso, surpreendente – discrepância entre a taxa de pessoas que se declaram brancos e a de que se declaram negros ou pardos. Existem diversas perspectivas de observar tal fenômeno social – sim, pois ocorre em sociedade, envolvendo a população e seus contextos, devendo assim ser caracterizado –, e encontramos três pontos marcantes de visão sobre o tema no artigo de Boaventura de Sousa Santos, “Poderá o Direito ser Emancipatório?”, os quais são debatidos numa linha de transição entre o extremo ponto direito, os conservadores; e o diametralmente oposto à esquerda, os revolucionários.
    Para iniciar a contextualização da obra do português, precisa-se invadir a esfera do Direito emancipatório, ou seja, um Direito visto além do modelo encontrado nos padrões liberais, que procura contemplar somente o corpo do texto legislativo e ser assim eficiente. O Direito que segue o cosmopolitismo subalterno – definido pelo autor como um conjunto de realidades de segmentos excluídos pela sociedade capitalista por diversos motivos – se adéqua à contraposição da globalização hegemônica, por isso sendo contra-hegemônica, ou seja, uma ferramenta contestadora das situações de abandono de direitos desses segmentos – num espectro mais amplo, questionadora do próprio capitalismo e do contrato social.
    Dessa maneira, temos que uma grande parcela da sociedade se encontra à margem do Direito, de seus direitos, e, uma vez assim colocada – propositalmente pela minoria de detentores do poder –, não conseguirão fugir desse estigma de outra forma que não a ação estatal, daí a importância do Estado como figura social. Existem, então, como citado anteriormente, perspectivas variadas de se ler tal deficiência de acomodação social – a coexistência de sociedades civis e incivis –, e o autor cita três modelos de pensamento: O conservador, que se fundamenta na manutenção do direito às minorias que detêm capital e poder; o reformista demo-liberal/demo-social, baseado na ideia de que pequenas mudanças providenciais são suficientes para tal acomodação; e o revolucionário, o qual prevê grandes alterações estruturais na forma como a sociedade orgânica funciona.
    Segundo essas três maneiras, compreendemos a problemática acima – discrepância entre número de estudantes universitários brancos e negros/pardos – também sob três lentes: O conservadorismo enxerga a divergência como algo distante do Estado, pois é responsabilidade civil, algo próximo do que chamamos de “meritocracia” – ou seja, o estar em uma universidade é somente mérito de estudos e competência; o reformismo reconhece o problema, porém oscila entre resolvê-lo e não o fazer, e, quando o faz, não é algo além de uma medida paliativa; por fim, o posicionamento revolucionário percebe nessa situação um erro grave de estrutura, que foi herdado do passado, mantém-se no presente, e será visto também no futuro caso não haja uma política capaz de alterar sua raiz: as desigualdades sociais.
    Isso nos possibilita chegar à conclusão de que o texto de pedido de arguição de descumprimento de preceito fundamental, movido pelo Partido Democratas, sobre a implementação de um programa interno de cotas a estudantes declarados negros, versa a respeito de semelhante questão – políticas afirmativas que venham atuar no contra-fluxo do conservadorismo meritocrático –, citando e argumentando a respeito no sentido de reiterar a ideia de que cotas raciais reafirmam o preconceito, além de serem anticonstitucionais.

    O texto, que requere a anulação dessa implementação, baseando-se em artigos da Constituição Federal e notas científicas, é contrário às vagas especiais por acreditar serem falhas e insuficientes, meramente paliativas – o que não deixa de ser verdade. O grande problema é acreditar que, somente por serem paliativas, ou contemplarem também uma parcela mínima de negros/pardos que possuem renda superior à imensa maioria da classe, não devam existir, posto que necessárias a um início – mesmo que extremamente irrisório – de mudança no sistema educacional nacional, ou a uma quebra no estigma que carregam esses homens e mulheres fadados à escassez de opções no âmbito acadêmico e, posteriormente, profissional. Aí se manifesta a importância do Direito Emancipatório, ao fim das barreiras e impedimentos do acesso à sociedade civil por todos, e por completo.  

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