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domingo, 25 de janeiro de 2015

Cotas para a convivialidade, e não para a reconciliação.

Convivialidade e reconciliação são listadas por Boaventura de Sousa Santos como dois dos quatro tipos de sociabilidade. A reconciliação seria uma forma baseada na "justiça restauradora", uma forma de corrigir velhos conflitos preteritos. Já a convivialidade seria a forma que busca superar agravos passados em prol da integração futura.
Em minha opinião, as cotas raciais não são uma mera reconciliação. Elas são, antes de tudo, imprescindíveis para a construção de um futuro socialmente plural e harmonioso. Aliadas à outras políticas publicas elas podem, no espaço de uma geração, revolucionar o espaço do negro no horizonte brasileiro.
Os argumentos contrários as cotas são fortes, e alguns têm sobriedade. Não é possível tratar diferenças opinativas como questões de caráter, ou estaríamos subvertendo a logica racional. De fato, a realidade brasileira é muito diversa da americana no que tange as relações raciais. Lá o processo de segregação foi muito mais claro, enquanto aqui ainda existe um véu sobre o tema. Também divergem as porcentagens de negro na população. Lá são 12%, aqui são 51%, segundo dados da PNAD.
Também é valido o argumento de que as cotas não ajudarão uma grande parte da população negra que sequer teve a oportunidade de concluir o ensino médio. E por fim, é compreensível o argumento de que a melhora no ensino básico público fatalmente aumentaria a porção de ingressantes negros nas universidades.
Mas o estado moderno, diante das suas limitações características, deve encontrar soluções inteligentes para problemas estruturais e persistentes. Uma reforma no ensino básico leva tempo e pode ser feita margeando outros processos. A perspectiva das chamadas "cotas sociais" é interessante, mas não é garantia de uma porcentagem minima de indivíduos negros nos cursos das universidades, afinal, a pobreza é um fator que atinge uma soma razoável da população nacional.
O fato de apenas uma minoria de negros ter acesso a universidade não desmonta o instituto das cotas raciais. Ainda que minoritária, essa parcela é crescente. Ainda que poucos possam concorrer, a porcentagem de negros nas universidades se multiplicou por sete (dados do MEC), provando o sucesso da medida.
Garantir o negro na universidade não é só uma medida de equilíbrio econômico. Ela visa garantir uma pluralidade de origens nos espaços de poder, garantindo diversidade e minando as bases do racismo. O abismo social não compete com o abismo racial, nem com abismos de gênero e etc. Uma mulher pobre e negra sofre mais preconceito que um homem rico e negro. Mas ambos sofrem preconceito racial, inegavelmente, e esse preconceito é muitas vezes empecilho para a efetivação de seus direitos.
Por ultimo, o argumento de que raças não existem não invalida a politica de cotas. Se de fato somos todos fisiologicamente e intelectualmente idênticos, as racas existem socialmente, ou seja, boa parte da sociedade enxerga a diferença da cor de pele como algo relevante. É o mesmo que provar a não existência de Deus. Ainda que isso fosse possível, quando um grupo de homens metralha cartunistas de um jornal, pouco importa a existência factual de Deus, mas sim a sua manifestação social. Igualmente, quando um jovem é metralhado por um policial por ser negro, ainda que a ciência garanta que somos iguais, fica latente a necessidade de medidas sociais para fazer valer essa igualdade.
As cotas não podem ser a única forma de integração. Mas são uma forma bem sucedida e que deve persistir. Qualquer medida que garanta o negro ocupando todos os lugares sociais é valida, pois permitirá uma democracia plural e a sua inclusão no nosso tão inacessível contrato social. Para que não sejamos todos vitimas de uma sociedade desigual e conflituosa, temos que abrir nossas mentes para argumentos que vão alem da lógica binária da meritocracia do privilégio, para criarmos uma meritocracia da igualdade de oportunidades. É isso ou nada. Não é reconciliação. É convivialidade.

Victor Abdala - 1o ano direito noturno.

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