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sábado, 24 de janeiro de 2015

A importância das cotas raciais para a emancipação social brasileira

Um das maiores polêmicas étnicas do Brasil foi a instituição de cotas raciais nas universidades públicas visando o aumento do número de alunos negros, visto que este era quase inexistente dada a elitização de tais universidades. Tal polêmica foi levada ao âmbito do Direito com o ajuizamento de ADPF pelo partido DEM para que o STF decidisse sobre a constitucionalidade de tais cotas que, segundo a visão do partido, promoveriam desigualdade racial e seriam, portanto, racistas, ferindo a dignidade da pessoa humana e inúmeros outros preceitos fundamentais da Constituição. O Supremo, não obstante, negou provimento à ação.
A reação do partido de ajuizar tal ação era previsível: à medida que as cotas incorporam demandas dos movimentos sociais contra a vontade da classe hegemônica a reação desta de buscar instrumentalizar o Direito a seu favor é expectável. O Direito quase sempre foi instrumento da classe hegemônica, o caso Pinheirinhos é grande prova disso. Mas, como defendido por Boaventura de Sousa Santos, a eterna tensão entre emancipação social e regulação social acaba forçando a classe hegemônica, que impõe a regulação social, a acatar certas demandas dos grupos que lutam pela emancipação e, neste caso, o Direito provou ser potencial instrumento desta luta pela emancipação à medida que atuou para transformar a realidade social, transformação esta necessária, já que os negros são praticamente metade da população.
A desigualdade histórica sofrida pelos negros, o racismo impregnado veladamente em nossa sociedade, assim como o racismo institucionalizado, presente no próprio Estado como demonstra a violência policial contra os negros e a ação de juízes que proibiram os “Rolezinhos”, invasão da periferia negra nos ambientes da elite branca, são indubitáveis, embora o partido DEM, um dos mais conservadores do país, tente demonstrar o contrário. Impera em nossa sociedade a ideia de que é papel social do negro lidar com trabalhos de valores econômicos considerados inferiores segundo a lógica do capital, o que explica a revolta causada nas classes sociais mais altas com a instituição de cotas que formarão médicos negros, que qualificarão profissionalmente esta classe marginalizada.
Esta é, aliás, uma das maiores importâncias das cotas: o combate contínuo ao preconceito ao igualar brancos e negros, ao profissionalizá-los e dar-lhes acesso a toda uma série de ambientes e cargos a que não tinham acesso, mostrando à sociedade a sua capacidade. E o fato das cotas terem-nos levados à universidade, assim como as políticas de permanência, não diminui em nada o mérito de suas conquistas sociais, porque o vestibular nunca mediu meritocracia, medindo apenas o investimento; a lógica do vestibular atualmente é justamente a lógica de mercado, que ao regular tudo e todos gera o que Boaventura chama de Fascismo Social: não importa se os candidatos partiram do mesmo ponto, importa apenas o resultado destes, presumindo-se que o melhor colocado seria o mais capaz e desconsiderando todos os obstáculos que são impostos, até mesmo por parte do Estado, aos negros nesse processo que é a conquista de uma vaga numa universidade pública.
Mais do que uma vantagem aos alunos negros as cotas são também vantagem aos alunos brancos que terão oportunidade de conviver com as diferenças e, destarte, crescer como indivíduos. E dar essa vantagem aos negros é justamente fazer vigorar a igualdade, visto que a isonomia, no conceito de Rui Barbosa, “é aquinhoar os iguais na medida de sua igualdade e aquinhoar os desiguais na medida de sua desigualdade”.
Conclui-se, deste modo, ressaltando a importância histórica da decisão do STF que julgou improcedente o pedido de inconstitucionalidade das cotas, instrumentalizando o Direito a favor da emancipação social, o que não seria possível se os operadores do Direito estivessem a favor da classe hegemônica, mostrando a importância da diversidade nas universidades, de forma a combater a elitização e, assim, a instrumentalização do Direito para fins de regulação social: dá-se origem a uma legalidade cosmopolita que admite a existência de outros valores que não os dominantes, que não a lógica de mercado.

Dana Rocha Silveira - Direito Noturno

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