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domingo, 28 de agosto de 2011

Razão e Sensibilidade

Segundo Émile Durkheim, a solidariedade mecânica, orientada pela consciência coletiva, é expressão das sociedades primitivas, enquanto na modernidade vigora, por outro lado, a solidariedade orgânica. Mas em que consiste essa solidariedade e de que maneira podemos dizer que ela se manifesta nas sociedades mais complexas? Primeiramente, o autor deixa claro que na modernidade, existe maior diferenciação dos indivíduos, e a presença desse elemento diferente não é motivo de desorganização, mas de harmonização das relações. Além disso, o direito expressa técnica, não um estado emocional, avançando muito mais no sentido da racionalidade restitutiva. A sanção restituva tem por objetivo apenas restaurar à sociedade o dano provocado, sem que haja aquela pena movida por paixões e até mesmo vingança. Tanto é que o juiz enuncia o direito, não as penas.

A explicação da diferença de reações dos indivíduos quanto às sanções repressivas e restitutivas está no fato de que os atos considerados mais ofensivos à consciência coletiva estão marcados por um forte sentimento de rejeição, estando impressos na consciência de maneira que não precisam ser enunciados. Pelo contrário, os crimes que obtêm sanção restitutiva geralmente não estão ligados de maneira tão estreita às nossas "paixões" e por isso suscitam reações moderadas.

É importante ressaltar que há, entretanto, tipos de solidariedade negativa que apenas assinalam os limites e barreiras que separam as pessoas, não constituindo verdadeiramente um consenso. Um exemplo disso está nos direitos reais, que ligam as pessoas às coisas, e não umas às outras. Assim, não contribuem para a unidade do corpo social e colocam em relevo o caráter egoísta do homem, pois não há sacrifício recíproco, e cada um vive isoladamente sendo "solidário" apenas o suficiente para não prejudicar o próximo. Para Durkheim, esse tipo de solidariedade não é suficiente para manter a coesão da sociedade, sendo necessário que haja, essencialmente, cooperação por meio de um direito restitutivo que ligue o indivíduo à sociedade.

É aí que fica evidente o papel da divisão do trabalho. A solidariedade ideal resulta dessa divisão, pois quanto mais as funções são especializadas, mais os indivíduos diferem uns dos outros e têm maior espaço para desenvolver suas próprias personalidades, ao mesmo tempo em que aumenta a dependência de cada um em relação à sociedade. Dessa maneira, a individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes. E esse direito com sanções restitutivas é como o sistema nervoso, mas necessita que cada órgão desempenhe sua função específica em prol do bom funcionamento do organismo. Por isso é que Durkheim batiza essa solidariedade de "orgânica", porque é análoga ao trabalho cooperativo que os órgãos do nosso corpo realizam. Nesse contexto, o direito surge como uma importantíssima força da sociedade que intervém para repôr a ordem desviada e fazer com que os compromissos se cumpram.

Podemos dizer, então, que as sociedades complexas estão marcadas pela presença de um direito racional, que age como intermediário das relações sociais e procura restituir, e não reprimir ou causar vergonha e desonra. Entretanto, não se pode negar, como observado nas análises do texto anterior sobre a solidariedade mecânica, que não estamos completamente livres da influência dos sentimentos coletivos e paixões, mesmo na atualidade. Procura-se encarar e julgar atos criminosos de maneira racional, mas nem sempre isso é possível, ainda mais quando se trata de casos em que a população interfere no lado emocional, clamando por justiça. Por outro lado, observamos o surgimento de penas alternativas que têm como objetivo principalmente restaurar a sociedade no ponto em que foi atingida, expressando claramente esse sentido racional do direito. Assim, não se trata de uma oposição entre razão e paixão, um não necessariamente exclui o outro, pois é possível ser racional em alguns aspectos sem perder a sensibilidade e os sentimentos que nos caracterizam como humanos. Por fim, mesmo sem conseguir refrear por completo as emoções humanas, o direito ajuda a colocá-las num patamar mais organizado e impedir que elas interfiram na diferenciação da sociedade, fazendo o possível para alcançar seu objetivo máximo de manter a harmonia social e o respeito entre os homens.

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